'Votei no escuro', diz homem cego sobre acessibilidade na urna

Ausência de fones de ouvido e mesários despreparados no primeiro turno motivaram Organização Nacional dos Cegos do Brasil a acionar TSE

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São Paulo

O servidor público federal Diniz Candido, 40, sentiu-se votando no escuro no primeiro turno. Não porque ele tenha apenas 5% de visão, mas pela acessibilidade prejudicada neste ano na urna eletrônica.

"Coloquei o fone, que deveria transmitir sonoramente as informações da tela, digitei o primeiro número e não ouvi nada. O mesário esqueceu de habilitar o recurso, votei às cegas", diz ele.

Diniz seguiu votando com apoio das teclas em braile e dos sinais sonoros, comuns a todos, que indicam que o voto em cada um dos candidatos foi computado.

"Não tive retorno para saber em quem estava votando, deduzi que estava certo", afirma o servidor público com uma doença congênita e rara que afeta a retina.

homem vestido de vermelho com cão preto mostra título de eleitor, ele desce uma escada de uma escola pintada de azul
Beto Pereira, consultor da Laramara e presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil, após votar no primeiro turno de 2022 - Arquivo pessoal

Outro incômodo foi ter de usar o fone que cobre totalmente as orelhas e isola o som por completo. "Gosto mais dos auriculares, que não deixam você ‘perder’ o ambiente. Imagina não enxergar e não ouvir o que se passa à sua volta, é uma sensação desconfortável."

A experiência vivida por Diniz no Instituto de Cegos Padre Chico, onde votou no dia 2 de outubro, no bairro do Ipiranga (SP), foi apenas um dos relatos de inúmeros brasileiros que chegaram à Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB).

Caso de Renata Fonseca, que também não conseguiu usar o fone de ouvido. "As pessoas que me atenderam estavam atrapalhadas como se nunca tivessem visto um cego na vida."

Na semana seguinte ao pleito, a entidade levou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma série de demandas com o objetivo de aprimorar a acessibilidade das urnas para o segundo turno, em 30 de outubro.

As dificuldades mais apontadas foram desconhecimento de mesários e fiscais para ativar o recurso de acessibilidade, ausência de fones de ouvido em algumas seções, baixo volume que impedia ouvir com clareza e o comportamento de voluntários, que não sabiam como acolher pessoas com deficiência.

"Mesários e fiscais têm muitas atribuições e às vezes não têm informações de modo claro, por isso acionamos o TSE para que reforce medidas de capacitação", diz Beto Pereira, consultor da Laramara e presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil.

Na sexta-feira (21), uma reunião virtual com servidores responsáveis por inclusão e acessibilidade do TSE e com pessoas cegas representando a organização social mostrou disposição para buscar, dentro do prazo exíguo, atender às reivindicações e, posteriormente, aperfeiçoar o sistema e os protocolos.

"Nossa expectativa é de que pessoas cegas e com baixa visão possam votar com autonomia, acessibilidade, segurança e privacidade", diz Pereira, que também teve dificuldades no primeiro turno, quando mesários não souberam ativar o recurso de acessibilidade na urna.

seis pessoas em telas
Reunião da Organização Nacional dos Cegos do Brasil com servidores do TSE sobre acessibilidade nas urnas eletrônicas - Divulgação/ONCB

Segundo a ONCB, que atua na defesa de direitos de 6,5 milhões de brasileiros, pelo menos 185 mil eleitores declararam ter alguma deficiência visual à Justiça Eleitoral. A entidade acredita que o número esteja subestimado.

O site do TSE reforça que todas as urnas são preparadas para atender pessoas com deficiência visual.

"Além do sistema braile e da identificação da tecla número cinco nos teclados, os tribunais eleitorais disponibilizam fones de ouvido nas seções com acessibilidade e naquelas onde houver solicitação específica, para que o eleitor cego ou com deficiência visual receba sinais sonoros com indicação do número escolhido e retorno do nome do candidato em voz sintetizada."

Nossa expectativa é de que pessoas cegas e com baixa visão possam votar com autonomia, acessibilidade, segurança e privacidade

Beto Pereira

sobre o segundo turno destas eleições

Apesar dos desafios, Beto Pereira reconhece que urnas eletrônicas foram uma conquista para que pessoas cegas e com baixa visão pudessem exercer sua cidadania.

"Passamos a votar com independência e privacidade. Queríamos saber o que aparecia na tela da urna, se de fato estávamos votando no candidato escolhido e fomos, aos poucos, conseguindo avanços junto ao TSE", diz o consultor.

Direito exercido há mais de 20 anos pelo servidor público Diniz Candido. "Não enxergar nunca foi um impedimento para votar. E não vou deixar de ir no dia 30, tenho engajamento político e desta vez tomarei o cuidado de lembrar o mesário para ativar a acessibilidade."

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