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Cirurgia de adequação genital prioriza estética e prazer em mulheres trans

Cientista da USP se beneficia de técnica desenvolvida por médico brasileiro que mantém terminações nervosas para criar parte externa da vagina

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Dia Internacional da Visibilidade Transgênero: Cirurgia de adequação genital usa técnica que preserva prazer e estética Marlene Bergamo/Folhapress

São Paulo

Ter uma vagina foi a resolução de final de ano de Gabrielle Weber em 2021. Era a última etapa do processo de transição de gênero que começou em 2018, após uma tentativa de suicídio.

"A disforia bateu", diz ela sobre o sofrimento provocado pela discordância entre o sexo biológico e sua identidade de gênero. "Vivia em um casulo para me manter sã."

Esconder-se era uma habilidade de Gabrielle, 39, desde a infância. "Eu já tinha noção da minha identidade de gênero, de colocar em palavras, aos 10 anos."

Mulher branca de cabelos compridos usa blusa vermelha e se apoia em escadaria de faculdade
A cientista da USP Gabrielle Weber lidou com a disforia em seu processo de transição de gênero - Marlene Bergamo/Folhapress

Sessões de terapia na adolescência, impostas pela família, não contribuíram para diminuir as angústias e a solidão de se ver como menina. Ao contrário: buscavam normatizar seu corpo.

"No momento em que me descobri trans, entre 1993 e 1994, descobri também o destino que essas pessoas tinham e não queria terminar na prostituição ou assassinada, queria fazer ciência", diz Gabrielle.

Correu atrás dos estudos, quando ainda morava em São Paulo, até chegar ao doutorado em física.

Em 2014, aos 30 anos, veio a oportunidade de lecionar no departamento de Ciências Básicas e Ambientais da Escola de Engenharia de Lorena, na Universidade de São Paulo.

Manteve o segredo até 2018, quando assistiu a uma palestra de uma mulher trans bem-sucedida que a resgatou do fundo do poço.

Decidiu começar o tratamento hormonal, que seria o primeiro passo da transição. Em janeiro de 2019, como que em uma nova resolução de Ano Novo, permitiu que a notícia vazasse.

Os pais não aceitaram, assim como colegas de profissão. "Diziam que eu não precisava esfregar isso na cara deles."

A cientista, que a essa altura "já tinha uma casca bem grossa", foi atrás da cirurgia de afirmação de gênero.

Encontrou a clínica de Matheus Manica, 39, cirurgião plástico que usa uma técnica que promete maior sensibilidade e estética na adequação genital de mulheres trans.

Não queria terminar na prostituição ou assassinada, queria fazer ciência

Gabrielle Weber

sobre descoberta de sua identidade de gênero

"Hoje se usa o princípio da preservação de tecidos, tiramos só o que não conseguimos reaproveitar", explica o médico formado pela Santa Casa de São Paulo.

Nesse modelo de cirurgia, os tecidos que contêm importantes terminações nervosas são usados para criar a parte externa da vagina.

"Quando a adequação genital começou, não se pensava na vulva e no clitóris, os nervos eram amputados e as pessoas perdiam a possibilidade de prazer sexual."

Para chegar ao resultado que une função e estética, Manica estudou com dois papas da técnica: Marci Bowers, ginecologista trans americana, e Kamol Pansritum, médico tailandês.

"O Brasil é referência mundial na cirurgia plástica, mas não nesta porque se realizava uma inversão peniana simples para fazer um canal vaginal, ficava só um buraco", diz ele.

O médico Matheus Manica durante cirurgia de adequação genital, que é complexa e exige tempo prolongado de recuperação
O médico Matheus Manica durante cirurgia de adequação genital, que é complexa e exige tempo prolongado de recuperação - Arquivo pessoal

Com menos uso de pele e tecidos do pênis no canal, os pequenos lábios se aproximam de uma mulher cisgênero. "Tem um lado artesanal, um toque pessoal."

No final de 2022, Gabrielle Weber conseguiu sua resolução de final de ano.

Para isso, precisou provar que passou por acompanhamento com psiquiatra, psicólogo e endocrinologista —regra do Conselho Federal de Medicina.

"Minha terapeuta não quis dar a carta, pois disse não concordar que eu passasse por uma amputação", lembra a cientista. "Foi assim, nessas palavras."

Chorou por dois dias até conseguir a indicação de outro profissional em uma rede de apoio.

"Foi uma cirurgia brutal pela recuperação, mas a sensação é de ter tirado um peso das minhas costas, me livrou da disforia."

Em março deste ano, Gabrielle voltou a dar aulas. "Eu me sinto confortável para falar ‘sou a Gabi e vim ensinar geometria para vocês'."

Ela também toca o projeto "Corpas Trans", com a proposta de entender a dinâmica de pessoas trans dentro da USP, e o projeto de divulgação científica "Mamutes na Ciência".

A cirurgia ainda é para poucos no país. Os custos variam entre R$ 70 mil e R$ 100 mil, de acordo com a necessidade de cada paciente.

"São cirurgias complexas, de alto custo, muitas vezes cobertas via judicial ou reclamação na ANS", diz Matheus Manica, que conta mais de cem procedimentos destes em seu consultório particular.

Em 2019, 224 cirurgias de redesignação sexual foram feitas pelo SUS no país. Na conta, estão incluídos procedimentos diversos, que vão da retirada das mamas às mudanças nas genitálias masculina e feminina.

"Quando comecei, em 2015, não se falava no tema e hoje temos cursos em congressos e muitos artigos científicos sobre pessoas transgênero", avalia o cirurgião, que advoga pela causa, simbolizada pelo Dia Internacional da Visibilidade Transgênero nesta sexta-feira (31), nas redes sociais.

Ainda que haja a idealização da vulva perfeita, sem cicatrizes —"já digo para não operar porque isso não existe"—, a cirurgia em mulheres trans oferece um orgasmo mais próximo ao feminino, ou seja, mais demorado e intenso.

Nas palavras do médico, traz uma nova puberdade. "É como se o cérebro tivesse que remapear os nervos, reaprender com os estímulos sexuais e com uma maior sensibilidade."

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