"Falta oportunidade nas favelas, mas o que mais falta é amor". A frase resume bem a visão de Gabriela Neves, 21, sobre a vida dos jovens brasileiros que vivem nestas áreas.
Moradora da Favela da Aldeia, em Guarujá, litoral paulista, ela viveu na pele as dificuldades de crescer em um local violento.
"Já aconteceu de eu estar tomando banho e entrar bala perdida no box. A polícia sempre invadia a comunidade com muita brutalidade", conta.
Privada de diversas oportunidades, ela não teve uma vida fácil.
Vítima de abuso sexual, Gabriela conta que chegou a tentar suicídio por não compreender, na época, que a culpa pelo crime não era dela.
"Demorou muito até eu entender que, na verdade, o único culpado foi o criminoso que fez isso".
Hoje, a jovem luta para que meninas pratiquem esporte e aprendam a se defender. Ela é criadora do Lugar de Menina é no Tatami, uma iniciativa que oferece aulas de jiu-jítsu para meninas e mulheres na periferia do Guarujá.
"Eu via que as meninas se sentiam inseguras de entrar numa academia de jiu-jítsu porque sabiam que a maior parte dos colegas seriam homens. Então meu trabalho é estimular o esporte em um ambiente amigo e fazer com que as meninas se sintam empoderadas."
Segundo ela, o projeto foi criado como uma forma de retribuir à sociedade o conhecimento que recebeu nas instituições onde estudou. A Nossos Sonhos, organização social onde aprendeu jiu-jítsu, e o Instituto Kondzilla, ONG onde aprimorou seus conhecimentos sobre comunicação e marketing digital.
"Se hoje eu estou viva, é por causa desse trabalho. Meu professor sempre me ensinou com muito amor. Eu estava deprimida em casa e o Dudu [Eduardo Barbosa] ia me buscar pra treinar. E hoje no meu projeto social eu busco replicar esse carinho que eu tive", afirma a atleta, que já ganhou mais de 50 títulos e premiações.
Com as aulas que oferece gratuitamente, ela espera mostrar a crianças e adolescentes que elas podem ter um futuro melhor. A missão não é fácil. Ela explica que as circunstâncias e a desigualdade social acabam tentando afastar os alunos dos treinos.
"Uma garota que vê a irmã mais velha se prostituindo, a mãe internada numa clínica de recuperação, o irmão mais velho traficando para poder comprar o pão para ela.... Como que eu vou ensinar para essa criança que é errado?", questiona a educadora, que realiza encontros regulares com os pais de seus alunos para assegurar que os estudantes não abandonem o esporte.
Outra maneira de influenciar meninas a enxergarem seu potencial é por meio da qualificação profissional, diz Gabriela. Ela mesma foi aluna de um projeto do Instituto Kondzilla que oferece cursos nas áreas de comunicação e audiovisual.
Após passar pela formação, ela emitiu sua licença de jornalista e passou o oferecer serviços profissionais de marketing digital para lojas e empresas da cidade.
Apesar da satisfação pessoal, Gabriela diz que espera poder ajudar ainda mais pessoas a mudarem sua realidade por meio do esporte e da qualificação para o trabalho.
Muitas crianças nem se interessam [pelo curso] porque nem sabem onde conseguir uma oportunidade como essa. Meu projeto é para o mundo, não é só para o Guarujá
Segundo Joao Caires, Diretor Executivo do Instituto Kondzilla, é comum que jovens que foram beneficiados por projetos sociais, como Gabriela, queiram devolver para a sociedade o que aprenderam.
"Quando jovens aprendem a observar sua realidade, construir histórias e utilizar tecnologia, passam a agir como multiplicadores de conhecimento e agentes transformadores de seus territórios e realidades", explica.
O sonho de Gabriela, também é compartilhado por Vinícius Leonidio, 23. Também ex-aluno do Instituto Kondzilla e morador do bairro Santa Rosa, ele passou a produzir videoclipes para cantores e MCs da região após fazer um curso de produção audiovisual na instituição.
"O que a gente busca fazer é fortalecer a quebrada. Porque tem tanta gente com talento aqui. E hoje a gente pode proporcionar isso pros moleques e eles agradecem a gente", conta Vinícius ao se referir aos cantores e músicos com quem trabalha.
Ele diz que a inspiração para ajudar os MCs da região veio ainda criança, quando conheceu no bairro em que morava o fundador do Instituito, Konrad Dantas.
"O Konrad também morou aqui no Santo Antonio. Eu via ele produzindo clipes aqui e isso acabou inspirando. Ele fazia eventos como o dia das crianças. Isso me marcou."
Tudo começou em 2019 quando a pandemia de Covid-19 parou os eventos sociais do bairro como as quermesses, festas que costumavam reunir grande parte dos moradores da comunidade.
"Deu uma entristecida da região. A gente se juntou e falou 'a gente precisa fazer alguma coisa'. E desde então estamos nessa missão de valorizar a cultura e tirar as pessoas das coisas ruins que tem nessa região."
Atualmente, Vinicius produz clipes profissionais com a ajuda de seu sócio e primo, Gabriel, a quem prefere chamar de irmão. Eles fundaram a Favela City, uma produtora de vídeos focada em músicos de favela.
A favela e nossa inspiração. É nossa vivência. É nosso entretenimento
Os próprios fundadores também atuam em alguns clipes. Atendendo pelos nomes artísticos de BiGZY e Zamp11h, os produtores reconhecem que sem o apoio do Instituto Kondzilla, dificilmente teriam se profissionalizado.
"O curso de audiovisual que fiz no Instituto custa R$ 6 mil. Era algo fora da minha realidade", diz ele ao citar o estudo obtido na Escola de Criadores, um projeto do Instituto que oferece formação em dois pilares: livre criação de conteúdo digital e desenvolvimento de habilidades técnicas e socioemocionais.
Agora, Vinicius espera continuar melhorando sua produtora para impactar cada vez mais criadores do Guarujá.
"Meu sonho é poder passar a formação que eu tive pra alguém. Porque uma hora a gente se vai e a gente tem que deixar um legado. E o que pudermos somar com coisas boas a gente vai estar somando."
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