Descrição de chapéu refugiados

Publicitário cria ONG para ajudar refugiados a recomeçar no Brasil

Fernando Rangel conecta imigrantes a brasileiros interessados em acolhê-los com o Refúgio 343, finalista do Empreendedor Social na categoria Soluções que Inspiram

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Venezuelanos em Pacaraima (RR), cidade que faz fronteira com a Venezuela; cerca de 400 imigrantes entram no Brasil diariamente Renato Stockler/Folhapress

Boa Vista e Pacaraima (RR)

Finalista

  • Organização Refúgio 343
  • Empreendedor Fernando Rangel
  • Site https://refugio343.org

Tudo começou com um sonho —literalmente. Em outubro de 2018, Fernando Rangel, 35, sonhou com uma menina que não conhecia. Um dia, ele reconheceu aquela criança na foto de uma reportagem sobre a crise migratória venezuelana.

Nasceu, ali, uma vontade de ajudar que se tornou o propósito de vida do publicitário mineiro e o motivou a trocar um cargo de gerência em uma multinacional pelo terceiro setor.

Cinco anos depois, a ONG criada por ele, Refúgio 343, já realizou o sonho de 2.000 famílias que buscam no Brasil uma chance de recomeçar. São duas frentes de atuação: educação, com cursos de português e capacitação profissional para recém-chegados a Roraima, e integração socioeconômica em outros estados.

Fernando Rangel, fundador do Refúgio 343, trocou cargo em multinacional pelo terceiro setor e beneficiou mais de 2.000 famílias - Renato Stockler/Folhapress

Inspirado pelo sonho, Fernando procurou uma organização humanitária e se ofereceu para patrocinar a viagem de uma família para São Paulo. "Eu tinha uma edícula em casa, pensei: ‘Vou até Boa Vista e volto com cinco pessoas no avião. Elas moram aqui até conseguirem emprego e depois alugo um lugar para eles."

Ao amadurecer o plano, achou melhor alugar uma moradia autônoma desde o início: uma casa, de número 343, que inspirou o nome da ONG. Com a ajuda de amigos, conseguiu em dois dias providenciar móveis, eletrodomésticos e roupas.

Hector e Tajiris, um casal com dois filhos, chegaram a São Paulo em 20 de junho de 2019, Dia Mundial do Refugiado. Depois deles, vieram outras famílias, a ação entre amigos ganhou fôlego e deu origem à ONG, que busca apoiadores para garantir aos imigrantes uma estrutura mínima na cidade de destino.

Em Boa Vista, o Refúgio 343 agenda e acompanha entrevistas de emprego virtuais dos venezuelanos. Os que são aprovados chegam ao destino já com trabalho garantido —mais da metade das famílias são recebidas por empresas parceiras.

Mas o xodó de Fernando é o acolhimento por pessoas físicas, quando grupos de ao menos cinco pessoas se unem para receber uma família de refugiados. Eles precisam bancar os custos iniciais com moradia e alimentação, além de cadastrá-los no SUS, matricular as crianças na escola e conseguir emprego para os adultos. O objetivo é que eles consigam autonomia em até seis meses, quando recebem um "certificado de independência".

Antes de fazer o "match" entre acolhedores e acolhidos, a equipe faz entrevistas e checagens. A média é de R$ 10.500 em gastos por família.

Segundo dados da ONU, o êxodo venezuelano ultrapassou o de países em guerra como Ucrânia e Síria e já é o maior fluxo de deslocamento forçado do mundo: 7,3 milhões de pessoas —20% da população— já deixaram o país.

O Brasil é um dos principais destinos desses imigrantes há pelo menos sete anos. Desde 2017, mais de 800 mil venezuelanos entraram no país, e 477 mil permaneceram.

Diariamente, centenas de pessoas atravessam a fronteira em táxis, motos ou caminhando sob o sol escaldante, carregando o que dão conta em bolsas e mochilas. Em Pacaraima e Boa Vista, famílias dormem nas ruas ou em abrigos, vivendo de subempregos que estão cada vez mais escassos.

Poucos são os que têm condições de sair de Roraima por conta própria, e é aí que entra o Refúgio 343. A organização é parceira da Operação Acolhida, força-tarefa do governo federal com a ONU e entidades da sociedade civil que atua na recepção e no deslocamento voluntário de venezuelanos para todo o território nacional. Esse processo de interiorização já levou mais de 100 mil pessoas para cerca de 1.000 cidades.

Não faltam histórias e registros tocantes: a empolgação das famílias ao percorrer cada cômodo da casa nova; uma criança indo para a escola, após meses sem estudar; um venezuelano que se tornou sócio de seu acolhedor.

"A essência do trabalho é a simplicidade de um ser humano acolhendo o outro", diz Fernando. "Não reinventamos a roda. O que a gente fez foi dar escala, segurança, processualizar, fazer com eficiência."

Filho de um caminhoneiro e de uma ex-diarista que se tornou auditora fiscal, Fernando diz que nunca lhe faltou nada, mas vivenciou uma "pobreza de segunda mão". "Era tudo reguladinho, aquela mentalidade de quem passou dificuldade."

A essência do trabalho é a simplicidade de um ser humano acolhendo o outro.

Fernando Rangel

fundador da Refúgio 343

O pai praticou a "inovação por necessidade" desde cedo. "Ele começou no transporte com 15 anos de idade, quando trocou a máquina de costura da mãe por uma charrete com um burrinho", conta.

Com o tempo, conseguiu comprar uma caminhonete velha, depois um caminhão e, por fim, uma pequena frota. "É uma história de luta", orgulha-se o filho, que prestou vestibular para publicidade porque queria concorrer a uma vaga da Red Bull para "universitários rebeldes".

Foi contratado, promovido quatro vezes, cursou produção de eventos e uma pós em gestão de negócios. Após cinco anos na Red Bull, ele foi para a Apple como gerente de marketing e vendas, "um salto considerável" em sua carreira.

"Eu tinha 26 anos, ganhava o triplo do meu salário anterior, assumi uma equipe de 130 pessoas. Fui para a sede em São Francisco, tive grandes mentores."

A virada aconteceu ao se tornar coordenador local de uma rede global de jovens líderes, a One Young World, e conhecer expoentes do trabalho humanitário como Muhammad Yunnus, ganhador do Nobel da Paz.

"Não fazia mais sentido ficar até o final da vida sem algo que preenche meu coração. Ganho um terço do que ganhava, mas minha felicidade é dez vezes maior."

Praticante de triatlo e adepto da filosofia do "milagre da manhã", Fernando acorda às 5h30, toma banho gelado, medita e faz yoga. Já morou em Boa Vista, mas hoje está em BH e viaja para a fronteira quando precisa.

Neste ano, participou do quadro The Wall, do programa de Luciano Huck na TV Globo, que rendeu um prêmio de R$ 350 mil e uma baita divulgação para a organização, que em 2022 já tinha sido eleita a Melhor do Brasil pelo Instituto Doar.

"O terceiro setor deve ter a mesma eficiência que grandes empresas", acredita.

Nos próximos três anos, Fernando planeja criar um fundo patrimonial e abrir cinco casas de acolhida, sustentadas por negócios sociais, além de atender outras nacionalidades.

"Nascemos com os venezuelanos, mas nossa missão é empoderar refugiados do mundo todo."

Refúgio 343 em números

  • 3.720 vidas resgatadas e 8.000 pessoas impactadas
  • 231 cidades em 20 estados e DF receberam venezuelanos via Refúgio 343
  • R$ 6 milhões levantados para acolhimento de 1.908 famílias em quatro anos
  • 83% das famílias interiorizadas pelo Refúgio encontram-se empregadas
  • Mais de 7.200 horas de aula oferecidas a venezuelanos em 161 turmas atendidas
  • 450 mil venezuelanos cruzaram a fronteira do Brasil desde 2018 em busca de refúgio

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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