Bruno usava boina do Che Guevara na periferia de Osasco, em São Paulo, nos anos 1990. Pichava palavras de ordem e planejava fazer ciências sociais. Era um adolescente acima do peso, libriano, fã de Raul Seixas e Belchior.
Neto de avó rica, cujo sobrenome ainda se vê nas avenidas do bairro, Bruno vendia tripa fresca na rua com o pai, que foi garimpeiro e pedreiro. A mãe, professora e adepta do cigarrinho, tinha um salão de beleza e recorria a Bruno e à sua irmã para varrer o chão e vigiar o pai no boteco.
Era como viviam os Sindona, que herdaram um terreno que sobrou após a família perder tudo.
O lote, de frente para a favela, foi a primeira experiência de Bruno com o desenvolvimento imobiliário, em 2008. Isso porque a família vendeu o terreno para uma incorporadora, que faliu e deixou um prédio de oito andares abandonado.
Os Sindona resolveram vender os apartamentos. "Saí pegando dinheiro emprestado com Deus e o mundo. Foi o caos", lembra Bruno, 35.
A reviravolta veio no ano seguinte, quando o governo federal lançou o "Minha Casa, Minha Vida", programa voltado para a população de baixa renda. "Aí a gente começou de verdade."
Bruno se imbuiu da juventude revolucionária para lançar empreendimentos populares em Osasco. "Ele faz casa de rico para pobre", define o pai Antônio.
Em 2012, o empreendedor já tinha dinheiro suficiente para andar de avião. No mesmo ano, morreu sua mãe, obesa e com complicações da diabetes que a deixou em cadeira de rodas. "Dona Maria era o coração da família. Foi terrível."
Seis meses depois, com 25 anos e 164 quilos, Bruno fez uma cirurgia bariátrica. E veio um período de noites em festas de arromba, enquanto lidava com as altas taxas de juros e crise no mercado imobiliário.
Em junho de 2015, a bordo de uma Mercedes, às 4h, Bruno tomou três tiros numa tentativa de assalto. Dirigiu até o hospital e ficou três dias internado. Meses depois, teve um ataque de pânico. "Não foi só uma crise de pensar que ia quebrar, que estava sem dinheiro."
A partir daí, sem ter feito engenharia ou arquitetura, com passagem pela faculdade de direito, onde ouviu que "aquilo não era para ele", torna-se a mente criativa do negócio. Pensa a Sindona como vetor de felicidade.
Os prédios e condomínios de casas erguidos em áreas antes degradadas oferecem lares dignos que cabem no bolso das classes C e D. Levam infraestrutura para zonas periféricas —água, esgoto, energia e pavimentação de bairros.
"O desenvolvimento imobiliário popular no Brasil é rudimentar e desumano, com arquitetura que lembra presídio. Formas retas, cercas de arame, nenhum verde."
Os imóveis da Sindona têm varandas e fachadas com cores a gosto dos moradores. Alguns empreendimentos oferecem confortos de condomínios de luxo, como toboágua, jacuzzi e espaço gourmet.
O desenvolvimento imobiliário popular no Brasil é rudimentar e desumano, com arquitetura que lembra presídio. Formas retas, cercas de arame, nenhum verde.
"Dá para criar empreendimento de várias maneiras, mas fazer para promover bem-estar e transformação é nosso diferencial", diz o empresário, que "aprendeu a pilotar a brisa" após altos e baixos.
São 7 projetos entregues —alguns com atrasos em função da pandemia— e 14 em desenvolvimento. "Ainda não tenho filhos, mas já botei 1.000 famílias dentro de casa", diz ele.
O grupo tem 350 funcionários em 8 empresas, que vão de fábrica de blocos de concreto a assessoria de crédito para quem precisa limpar o nome ou tem renda informal.
Caso de Alifer Dias, 27, e a mulher, Amanda, 26, que tinham restrição no banco. "Ajudaram a gente a limpar o nome", diz ele, sobre o negócio fechado. "Tinha R$ 500 no bolso e dei de entrada. Agora tenho um sobradinho com sacada, churrasqueira e jardim."
O novo empreendimento no bairro Cidade Jardim, em um dos metros quadrados mais caros de SP, é vitrine dessa democratização. A incorporadora pagou R$ 13 milhões pelo terreno que fica em uma zona de interesse social.
Pelo menos 300 famílias vão morar no condomínio de fachada colorida que fará fronteira com o shopping Cidade Jardim e a favela Panorama, em 2026. A unidade de 28 metros tem parcela de financiamento inferior ao aluguel de um barraco, que gira em torno de R$ 800.
"Viemos pra faixa de Gaza propondo ser zona mista", diz Bruno. Sob fogo cruzado da vizinhança, que condena a ideia de ter apartamentos "com roupa secando na janela" perto de mansões avaliadas em R$ 7 milhões.
E de ativistas locais, pelo fato de o prédio estar sendo erguido em um antigo sítio arqueológico. "Aqui foi uma oficina de fazer ponta de flecha", explica ele. "Depois das escavações, 300 mil itens foram enviados ao Iphan e os ex-proprietários do terreno conseguiram o alvará da prefeitura."
O futuro da Sindona, segundo seu criador, é desenvolver comunidades planejadas —inspiradas em comunas e kibutz, onde emprego, consumo e convivência se entrelaçam.
"Bruno é um dos jovens empresários que contribuem para o debate de habitação de interesse social no país," afirma Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, que o convidou para integrar o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável —o Conselhão do Lula.
"Ele inova com soluções tecnológicas, ambientais e de redução de custos."
Bruno é um dos jovens empresários que contribuem para o debate de habitação de interesse social no país.
Prestes a trocar Osasco pelo Itaim Bibi, onde vai morar no apartamento que foi do arquiteto Ruy Ohtake, Bruno não usa mais a boina do Che.
Gosta de vestir branco, tem um cocar indígena na parede do escritório, na avenida Faria Lima, inspira-se em Jesus —"é o cara"— e busca espiritualidade e autoconhecimento.
"Tive o privilégio de ter mãe deficiente, pai negro e irmã gay. De ter avó rica, nascer na periferia e não ser miserável. Gostar de comer pastel na feira e macarrão trufado em restaurante fino", resume.
Sindona em números
- 24 mil pessoas foram impactadas pelas ações da Sindona, com média de 4 pessoas por família
- 1.604 habitações vendidas e 3.600 a serem lançadas até 2024
- R$ 1.800 a R$ 9.000 é a renda familiar dos clientes de imóveis que custam de R$ 150 mil a R$ 450 mil
- 712 famílias foram atendidas pela Crédito do Bem, assessoria financeira da Sindona
- 46 mil m² de matas recuperadas na Grande São Paulo e outros 4 milhões de m² de preservação de matas das obras em andamento
Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.