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trabalho voluntário
24/02/2005
Advogado ex-presidiário ajuda moradores de rua com a Associação SOS Carentes

Quem vê o advogado Edivaldo Godoy à frente de tantas reivindicações e lutas na área social, não pode imaginar a história que está por trás de toda essa garra para melhorar a situação de crianças, jovens e adultos que vivem em condições de miséria na cidade de São Paulo, com grande atenção para os egressos do sistema penitenciário, já que ele já foi um também.

Edivaldo ficou órfão de mãe aos sete anos, e, junto com os irmãos, foi criado pela avó, já que seu pai era dependente de álcool e não tinha condições de cuidar da família. Aos 12 anos, já com a avó falecida, Edilvado resolveu deixar Catanduva, cidade do interior paulista, e seguir viagem sozinho para São Paulo. Ele conta que "deu um jeito de ir para a capital paulista" de trem, contando com a ajuda de uma senhora na estação. "Contei uma historia para ela, dizendo que iria encontrar com a minha mãe na cidade, e pedi que se alguém perguntasse era para dizer que eu era filho dela", recorda.

Em São Paulo, Edivaldo foi viver nas ruas, principalmente na região do Centro da cidade, como os bairros da Luz, Sé, República, entre outros. Em pouco tempo, o garoto já estava envolvido com outros colegas em roubos e pequenos delitos, com um grupo que chegou a reunir mais de 20 adolescentes nas ruas. Devido a este comportamento, Edivaldo foi encaminhado à Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor) e, apesar de chegar a permanecer por diversos meses no local, fugiu 14 vezes e participou de rebeliões.

"A situação era barra. Tinha muita tortura e espancamento. Agora mudou a política. Mas, antes, os funcionários tratavam os jovens como um infrator comum, como um adulto. Eles estavam ali somente para punir. Não havia essa separação por idade e crime, como estão tentando fazer agora", comenta.

Quando completou 18 anos, Edivaldo permaneceu apenas oito meses em liberdade. Foi preso por diversas vezes por roubo, mas pagava a liberação e era colocado em liberdade. No entanto, quando foi pego em flagrante pela policia, acabou sendo realmente condenado por diversos processos. "Eu fiquei uns cinco anos indo somente nas audiências do fórum. E a pena foi aumentando. Chegou a vir de uma vez três mandados de prisão com condenação, com quatro, cinco anos cada. Chegou uma hora que eu pensei que nunca mais iria sair da prisão". No total, foi condenado a ficar 62 anos recluso.

Durante os dezoito anos que ficou preso, Edivaldo passou por diversas penitenciárias, como a Casa de Detenção, a Penitenciária do Estado, além das cidades de Araraquara, Avaré, Campinas, Sorocaba, entre outras. Isso acontecia porque ele tinha fama de agitador, que comandava as rebeliões, mas somente como o "cabeça" da operação. "Para eles, se tinha um homem ali pensando, então era ele o culpado, no caso eu. De madrugada eu estava dormindo na cela, me pegavam, jogam dentro do camburão e me mandavam para outro lugar. Minhas malas estavam sempre arrumadas. Eu nem arrumava a cela que ia ficar quando chegava numa nova penitenciaria. Muitas vezes nem sabia porque tinham me mudado de lugar", afirma.

Edivaldo se recorda da extrema violência que ocorria nas prisões, com muitas mortes, devido à constante luta pelo poder. Para se manter vivo, ele tinha que ser neutro e lutar pela sua neutralidade, principalmente quando surgiram as facções. "Você não sabia se vai estar vivo no dia seguinte", destaca. Em alguns momentos, Edivaldo teve ainda de vivenciar a experiência do isolamento, onde uma vez chegou a ficar por seis meses. "Você fica isolado de tudo mesmo e não tem noção de tempo, dia e noite. É desesperador. Ali, o preso pode ler somente a Bíblia ou livros da sua religião".

E foi desta maneira que Edivaldo se aproximou da religião. "O que mudou a minha vida foi a fé e o trabalho. Na prisão você está muito aberto para isso, já que está passando por uma situação de fundo de poço mesmo. A fé é fundamental para a mudança. Muitos, por sua própria vontade não conseguem mudar, mas quando buscam uma força exterior, e acreditam que vai mudar aquilo, aí muda", afirma o advogado, que hoje é também pastor da Assembléia de Deus.

Com o tempo, Edivaldo decidiu retomar os seus estudos. Ele fez supletivo e participava das aulas do Telecurso, que eram transmitidas em uma sala da penitenciária. "Às vezes, só dava eu na frente da televisão. O guarda passava pela cela chamando o pessoal que tinha se inscrito, mas todos ficavam dormindo. Eu, no entanto, estava lá na sala antes mesmo de abrir. Ficava estudando enquanto os caras estavam jogando bola. Eles falavam que eu estava maluco. Mas foi por essa razão que eu consegui coisas que outros não conseguiram", conta.

Como sempre gostou de ler, Edivaldo começou a estudar também os códigos e as leis brasileiras, até mesmo para ajudá-lo nos processos, já que a questão jurídica nas prisões é muito difícil, tendo em vista que a grande parte da população carcerária não tem advogado. Com ele a situação não era diferente. Edivaldo pegou alguns livros da biblioteca da penitenciária e depois começou a solicitar também das editoras. Aos poucos, ele já fazia recursos para ele e também para os outros colegas. "Os seja, assim eu mantinha também a minha neutralidade. Eu não estava de lado nenhum e todo mundo precisava de mim".

Em 1996, por meio de um contato com a Embaixada dos Estados Unidos, Edivaldo conseguiu fazer cursinho preparatório para o vestibular e passar no curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC). No entanto, o juiz não autorizou a saída do detento para as aulas regulares. Edivaldo decidiu então ingressar no curso de Direito do Centro de Educação Aberta à Distância da Universidade de Brasília, por meio de tutoria, feita por um professor da Universidade de Campinas (Unicamp).

Quando foi transferido para a Penitenciária de Franco da Rocha, Edivaldo conseguiu um tutor da Universidade de São Paulo (USP) para continuar seus estudos. Nesta época, devido ao seu bom comportamento, ele foi beneficiado com reduções de pena, obtendo o direito de prisão em regime semi-aberto. Passou então a freqüentar as aulas regularmente por meio do Centro Acadêmico (CA) na Faculdade do Largo São Francisco da USP. Conseguiu um trabalho no CA e acabou se tornando diretor de cidadania. Com outros colegas de estudo, ajudou a criar diversos projetos sociais, entre eles o Instituto Sou da Paz.

Enquanto ainda cumpria pena em regime semi-aberto, Edivaldo inaugurou a Associação SOS Carentes, na Barra Funda, zona Oeste de São Paulo, tendo em vista as dificuldades que ele já tinha passado nas ruas da cidade. Os amigos emprestaram o dinheiro para a parte burocrática de fundação da entidade. A primeira ação da associação que uniu mais alguns voluntários, foi a entrega de sopa para moradores de rua. Com o tempo, pessoas vieram se unir ao SOS Carentes para aprender a experiência e inaugurar outros grupos, como o Anjos da Noite. De 10 voluntários, a ação chegou a ter mais de mil pessoas envolvidas.

A SOS Carentes atende, em média 100 pessoas por dia, oferecendo alimentação, roupas, cobertores e encaminhando para albergues, tratamento médico, casas de recuperação de drogados. Há também uma atenção especial para a situação das crianças que vivem na região conhecida como "Cracolândia", na área central da cidade, devido ao grande número de usuários de crack. Para atender com mais qualidade estas crianças e adolescentes, a SOS desenvolveu um projeto para a construção de um núcleo sócio-educativo, que irá oferecer oficinas de artesanato, artes, música, informática e dança, além do atendimento às famílias. O espaço já foi cedido e agora a entidade está em busca de empresas para patrocinar as atividades.

A questão do egresso também é uma prioridade da organização, já que dados de 2003 mostram que 4 mil homens são colocados em liberdade mensalmente em São Paulo. A entidade faz atendimento jurídico quando necessário e encaminha os ex-presidiários para cursos no Senai, principalmente voltados para a área de construção civil. O novo projeto Pé na Rua irá ampliar essa atuação de forma inovadora.

Em Franco da Rocha está sendo construído um espaço com capacidade para abrigar 36 egressos em período integral. O local terá dormitórios, sala de leitura, de jogos e de televisão, além de cozinha e um espaço para oficina. Ali, durante seis meses, os egressos poderão viver e ainda aprender uma profissão, com os cursos oferecidos em parceria com o Senai. Eles receberão todo o apoio jurídico e pessoal necessário neste período para readaptação social. O projeto, orçado em R$ 150 mil, com o gasto mensal de R$ 15 mil, já está no Ministério da Justiça para aprovação e apoio financeiro.

A SOS Carentes pretende ainda retomar os trabalhos da Cooperativa Técnica de Manutenção, que já deu bons resultados junto aos egressos, permitindo que muitos montassem seus próprios negócios, além de uma ação mais próxima junto à Febem. Para o advogado, as organizações devem ser, acima de tudo, agentes transformadoras, com a proposta de auxiliar, orientar, acompanhar e fiscalizar as ações. Por isso, participa ainda como presidente da Sociedade Amigos da Barra Funda, em que, uma das ações de destaque, foi o apoio em janeiro de 2004, para as famílias da favela Sabrico que perderam suas casas em um incêndio no local.

"Tudo isso significa para mim a realização de um sonho. É você ter a responsabilidade diante da comunidade, de seu país, de mudar aquela situação. Tentar fazer alguma coisa. Com todos os problemas que temos, se ficarmos omissos, as coisas tendem a piorar. Temos que fazer a nossa parte. Meu desejo é de contribuir para que o paradigma da violência e da desigualdade, possa ser apenas uma lembrança triste do país".


Serviço
Associação SOS Carentes
Endereço: rua Cruzeiro, nº 371, Barra Funda, São Paulo
Telefone: (11) 3612-3939
Fax: (11) 3612-3945
E-mail: soscarentes@ig.com.br


DANIELE PRÓSPERO
do site setor3

 
 
 

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