Dependência
ou morte
Desde
1999 até julho deste ano, dois policiais civis e militares
de São Paulo, em média, foram afastados por
dia de suas corporações, acusados, entre outras
coisas, de abuso de autoridade, consumo de drogas e cumplicidade
com marginais. É um batalhão que, a permanecer
o ritmo de exonerações (60 mensalmente), chegou,
neste mês, a 2.000 pessoas.
Segundo
informações coletadas pela cúpula da
polícia paulista, uma parte expressiva desse batalhão
conseguiu emprego como segurança privada. Até
porque eles não têm nenhuma outra habilidade
que lhes assegure vaga no mercado de trabalho.
Em São
Paulo, atuam 340 empresas de vigilância privada, com
100 mil vigilantes; não se contabilizam aqui aqueles
que prestam serviços isoladamente, sem vínculos
com as agências.
Se as polícias Civil e Militar já têm
dificuldade de manter a disciplina, imagine o tamanho do problema
nas agências de vigilância particular, ainda menos
fiscalizadas.
A cúpula
dos órgãos de segurança no Brasil, especialmente
no Rio, tem indícios de que quadrilhas se empenham
em escolher pessoas sem antecedentes para infiltrar nas polícias
civil e militar.
"Quem
pensa que, por estar cercado de vigilantes privados, comprou
a tranquilidade, está enganado", afirma o secretário
de Segurança de São Paulo, Marco Vinício
Petrelluzzi.
O fato
é inquestionável. Não apenas os aparatos
de segurança são insuficientes para enfrentar
o crime como policiais têm relações promíscuas
com marginais.
A questão
fundamental da independência dos brasileiros, comemorada
na sexta-feira passada, não é relativa ao país
- mas aos indivíduos, cercados pela violência.
Um dos
exemplos foi o empresário Silvio Santos. Ele acreditava
ser imune aos sequestros, graças à sua popularidade,
tanto que não se preocupava com a segurança
pessoal. Viajou ao exterior para se recuperar psicologicamente,
deixou ordens para transformar sua casa numa fortaleza, com
novas obras e mais vigilantes.
O cidadão
das grandes cidades brasileiras -e até de muitas das
pequenas- é alguém que perdeu a independência
de andar, sem medo, nas ruas. É, em essência,
como ele se fosse uma nação dominada por um
colonizador.
A classe
média já está comprando carros blindados.
Para não chamar a atenção, muitos executivos
e empresários preferem ter automóveis nacionais
e investem em seu interior, turbinando o motor, numa tática
de disfarce. Mulheres levam a bordo duas bolsas -uma delas
verdadeira- para entregar a falsa ao assaltantes.
Os muito ricos preferem, muitas vezes, trocar o automóvel
pelo helicóptero; afinal, não se pratica a pirataria
aérea. Ainda. Não é só por causa
do infernal trânsito paulistano que São Paulo
tem uma das maiores frotas de helicópteros do mundo.
Helicópteros
são contratados para fazer ronda de casas. Já
existe quem pague para blindar um dos quartos da residência.
Os condomínios e prédios consomem vorazmente
as últimas novidades tecnológicas, disseminando
câmeras e alarmes.
Quando
se anunciou a possibilidade de apagões, a primeira
reação foi o temor generalizado. Sem as engenhocas
eletrônicas acionadas, não haveria proteção
contra as imaginadas hordas de selvagens. É como se
uma nação em guerra ficasse desprovida de radares.
Psicólogos
têm detectado, em seus consultórios, uma onda
de insegurança entre crianças e adolescentes,
associadas a estresse e ansiedade, devido à violência
urbana. Daí a opção preferencial de lazer
serem os shopping centers, protegidos da rua.
Pais montam operações da madrugada para que
seus filhos jamais saiam sozinhos das festas, muitas delas
cuidadas por seguranças privadas.
Começa
a ser introduzido, no Brasil, um dispositivo criado nos Estados
Unidos: coloca-se na criança um pequeno aparelho localizador
conectado a satélite. Como para os carros, um radar
acusa sempre que se faz um trajeto incomum.
"A
maioria dos empresários que conheço vivem acovardados",
conta o empresário Antônio Ermírio de
Moraes.
Alguns
deles contratam agentes de serviços secretos estrangeiros
e fazem de suas casas castelos medievais com os mais modernos
sensores, mostrando a convivência da sofisticação
tecnológica com a barbárie.
PS - É
o preço que pagamos pelo fato de o Brasil nunca ter
associado a idéia de nação independente
à busca de inclusão social. Independência
não se faz só nas fronteiras, mas, especialmente,
na autonomia dos indivíduos. Daí que, quando
se fala nas comemorações da independência,
a imagem que sobressai é a do desfile militar. Independência
não se faz nos quartéis, mas nas salas de aula.
|
|
|
Subir
|
|
|