Esquina
da saudade
Quando André Sturm, diretor de uma
distribuidora de filmes, soube que o cine Belas Artes estava
com data marcada para fechar as portas, ele próprio
se tornou candidato a virar personagem de um filme de aventura
ou drama.
André faz parte da geração
de paulistanos que reverenciaram a esquina da Consolação
com a avenida Paulista. Na frente do Belas Artes, que exibia
sofisticados filmes, brilhava o Riviera, então marco
da resistência político-etílica contra
a ditadura militar. A poucos metros dali, reinava a Tia Olga,
onde jovens de classe média tiveram sua iniciação
sexual com mulheres que, professorais, pareciam entender a
insegurança juvenil. Nas redondezas, trabalhavam os
astros da nascente televisão brasileira, com seus festivais
(Record) ou novelas (Tupi).
Para os garotos judeus que frequentavam as
sinagogas do bairro, era a chance da paradisíaca mistura,
em tão pouco espaço, dos astros da TV com Deus
e as mulheres.
Foram-se embora as celebridades, entre as
quais Fernando Henrique Cardoso, José Dirceu, Caetano
Veloso e Chico Buarque. Renato Meniscalco, proprietário
do Riviera, lamenta nostálgico: "Não temos
nem dinheiro para reforma".
André viu nessa decadência um
desafio quando decidiu investir na recuperação
do Belas Artes. Pretende entregar neste semestre duas salas,
que terão uma programação "cult".
Sabe que jamais conseguiria viver de bilheteria e, por isso,
engrossou o movimento para reduzir os impostos dos cinemas
de rua e valorizar espaços públicos.
A prefeita Marta Suplicy aderiu à idéia.
Na passagem, abandonada, debaixo da Consolação,
ele planeja fazer uma espécie de museu ligado à
arte cinematográfica. A entrada do cinema seria transformada
num espaço de convivência, com um café
e uma livraria.
Apesar dessa ofensiva, o risco é óbvio:
os cinemas de rua estão morrendo ou lutando com dificuldades.
Daí a procura de André por um redentor patrocínio,
além de benefícios fiscais. "Posso estar
movido pela emoção, mas não quero rasgar
dinheiro. Muita gente não gosta de assistir a filmes
em shoppings e vamos investir nessa fatia de mercado."
Mesmo que a paixão de André
eventualmente não vire um bom negócio, já
rendeu pelo menos um belo roteiro cinematográfico sobre
a história da saudade de uma geração
por uma esquina.
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