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04/05/2007 - 09h11

Eleição pode decidir destino da esquerda na França, diz especialista

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ANDREA MURTA
da Folha Online

A corrida presidencial na França, que será decidida no próximo domingo (6), pode abalar o futuro da esquerda no país caso o primeiro colocado nas pesquisas de opinião, o conservador Nicolas Sarkozy, seja confirmado vencedor. Fora do poder há 12 anos, a esquerda não chegou sequer a disputar o segundo turno na eleição presidencial anterior, em 2002, e corre o risco de se dividir agora caso Sarkozy garanta mais um mandato para a direita no país.

Divulgação
Pepper D. Culpepper é professor da Universidade Harvard
Pepper D. Culpepper é professor da Universidade Harvard
Na opinião do especialista Pepper Culpepper, professor da Universidade de Harvard e autor de vários livros sobre a política européia --entre eles "Changing France" [A França em Mudança]--, será difícil para os partidos de esquerda manterem uma coalizão unida caso a socialista Ségolène Royal seja derrotada. "O Partido Socialista está em colapso, e o papel que a esquerda manterá na sociedade está indefinido", afirmou Culpepper, por telefone, de Tóquio, à Folha Online.

As pesquisas de intenção de voto confirmam a liderança de Sarkozy. Dois jornais franceses publicam nesta sexta-feira pesquisas realizadas após o debate de quarta-feira (2). O "Le Figaro" dá a Sarkozy 54,5% das intenções de voto, contra 45,5% da sua adversária. Segundo o "Le Parisien", a diferença é de 53% contra 47%.

O especialista afirma que, para vencer, não basta a Royal buscar os cerca de 7 milhões de eleitores do terceiro colocado no primeiro turno, o centrista François Bayrou. "É improvável que ela consiga os votos de que precisa entre os eleitores de Bayrou --muitos são direitistas", disse o especialista.

Para ele, a solução seria Royal se aproximar dos esquerdistas mais radicais: "Ela seria bem-sucedida em conquistar os votos da extrema esquerda, devido à grande antipatia que estes eleitores sentem por Sarkozy".

Ainda assim, Culpepper afirma que a improvável vitória de Royal só acontecerá se uma confluência de fatores positivos agir a favor da socialista no dia da eleição.

Leia a seguir a íntegra da entrevista que Pepper Culpepper forneceu à Folha Online.

Folha Online - O resultado do primeiro turno foi coerente com as pesquisas de opinião anteriores, que apontavam para a vitória de Nicolas Sarkozy e o segundo lugar de Ségolène Royal. Foi uma votação sem surpresas?

Pepper Culpepper
- Os dois vencedores não foram inesperados. Mas houve outras surpresas, a começar pelo mau resultado de Jean-Marie Le Pen. Esse fracasso certamente se deveu em boa medida ao fato de que Sarkozy abocanhou uma parcela dos eleitores tradicionais de Le Pen. Isso enfraquece muito o partido de extrema-direita Frente Nacional, de Le Pen.

O baixo resultado obtido por Bayrou, de cerca de 18%, não me surpreendeu. Os franceses temiam repetir o que aconteceu em 2002, quando a divisão dos votos levou Le Pen ao segundo turno, e além disso Bayrou não tinha realmente uma plataforma forte. Sua campanha de ser o candidato "alternativo" para quem não queria votar nem em Sarkozy nem em Royal simplesmente não foi suficiente nas urnas.

Folha Online - E quanto ao comparecimento recorde às urnas, de 84%? Foi uma tentativa de evitar o resultado surpreendente de 2002 ou essa campanha realmente motivou os franceses?

Culpepper
- Evitar a repetição de 2002 teve uma influência, assim como o tempo bom --que sempre ajuda em uma eleição voluntária. Mas houve mesmo uma grande mobilização dos franceses pelos grandes partidos de direita (UMP, de Sarkozy) e de esquerda (Partido Socialista, de Royal). Os partidos evitaram ir a extremos e muitas pessoas que estavam envergonhadas por 2002 decidiram comparecer às urnas e votar dessa vez.

Realmente, o comparecimento foi muito impressionante, e isso demonstra a rejeição de muitos eleitores a um resultado como o que ocorreu em 2002.

Folha Online - Em relação ao primeiro turno, o que mudou na campanha dos dois candidatos após a vitória inicial nas urnas?

Culpepper
- Até agora, todas as pesquisas de opinião que eu vi dizem que Sarkozy vai ganhar. Algumas mostram uma queda da vantagem, mas ele continua à frente de Royal. Mas, para a mídia, é mais interessante que a disputa seja acirrada. Por isso muitos simpatizantes da esquerda estão aparecendo para tentar mostrar matematicamente que as coisas podem favorecer Royal.

Acho que a estratégia de manter o suspense da disputa é uma tentativa de garantir o alto comparecimento às urnas, o que é mais difícil no segundo turno. No primeiro turno havia a pressão de não repetir o resultado de 2002.

A esquerda está apostando também na rejeição a Sarkozy para conquistar eleitores e garantir que eles compareçam às urnas.

Outro movimento deste segundo turno é que os dois candidatos estão tentando se aproximar do centro. A lógica do primeiro turno os empurrou para suas bases, mas agora eles precisam conquistar os votos de Bayrou. Isso tem sido explícito principalmente no caso de Royal.

Sarkozy continua apostando suas fichas na segurança, uma estratégia que se mostrou bem-sucedida no primeiro turno.

Folha Online - O que Royal precisaria fazer neste momento para reverter a tendência de vitória que se mostrou constante para Sarkozy?

Culpepper
- Basicamente, o que Royal precisa fazer é conquistar todos os votos que foram para a extrema-esquerda. Não foram muitos, mas se você somar todos conseguirá uma porcentagem significativa. Ela também precisa de pouco mais da metade dos eleitores que votaram em Bayrou no primeiro turno.

Acho que ela será bem-sucedida em conquistar os votos da extrema esquerda, devido à grande antipatia que estes eleitores têm por Sarkozy. Mas acho que é improvável que ela consiga os votos de que precisa entre os eleitores de Bayrou.

Ela realizou um debate com Bayrou na tentativa de conquistar seus votos, que são chave para a definição do vencedor no segundo turno. Mas muitos deles são eleitores de direita, que tendem a favorecer Sarkozy no domingo.

É matematicamente possível que Royal vença, mas para isso será preciso que todas as circunstâncias a favoreçam e que tudo dê errado para Sarkozy.

Folha Online - Então para vencer Sarkozy precisa apenas manter-se na mesma direção do primeiro turno?

Culpepper
- Curiosamente, o grande tópico da mídia na França nos últimos dias [antes do debate realizado pelos candidatos na quarta-feira] foi o comentário de Sarkozy sobre os eventos de 1968 no país. Eu não entendi a estratégia dele em criticar os eventos daquele ano. É certamente uma oportunidade de ouro para a esquerda de se aproveitar do impacto dos comentários do candidato direitista e dizer que ele é alguém que quer fazer a França retroceder.

Acho que ele deveria dar continuidade à estratégia de focar na segurança, o que foi bem explorado no primeiro turno. Mas ele tem uma tendência de se expressar de forma muito direta, e isso abre a possibilidade de dizer algo ofensivo para os eleitores de centro. Isso é algo com o que ele deveria se preocupar. Mas, se continuar a fazer o que já vem fazendo, as chances são boas para ele.

Folha Online - Apesar de não ter apoiado ninguém publicamente, Bayrou aceitou debater com Royal e não escondeu suas críticas de Sarkozy. Isso não indica uma tendência de apoio à candidata socialista?

Culpepper
- Bem, acho que Bayrou, assim como Le Pen [que defendeu o boicote ao segundo turno da eleição], não podem controlar seus eleitores. Eles podem exercer uma influência até certo ponto.

No caso de Le Pen, não creio que ele possa influenciar seus eleitores. Eles vão querer votar, e votar em Sarkozy, em sua maioria.

Já no caso de Bayrou, há vários pontos importantes. Em primeiro lugar, muitos de seus eleitores não votarem nele porque apóiam sua plataforma, mas porque ele era uma alternativa. Assim, ao contrário de Le Pen, ele não tem a fidelidade dos eleitores. O fato de ele não ter aceitado apoiar ninguém também não ajuda.

Há ainda o fato de que vários legisladores do partido UMP, de Sarkozy, estão pressionando os centristas com a ameaça de que eles serão boicotados nas eleições legislativas [em meados do ano] caso façam campanha contra o candidato direitista.

Todos esses fatores, na minha opinião, favorecem Sarkozy.

Folha Online - Se ele realmente vencer, o que podemos esperar do próximo governo da França em termos de política externa?

Culpepper
- Com relação à União Européia, creio que muitos líderes estão silenciosamente torcendo por Sarkozy. Ele propôs adotar um mini-tratado sobre o bloco em vez de voltar a discutir a Constituição Européia, que foi rejeitada em plebiscito pelos franceses.

Já Royal quer discutir longamente as leis do bloco com foco em medidas sociais, trazendo de volta a proposta de Constituição. Em princípio, isso seria bom, mas na prática abre uma série de problemas que tornariam difícil e lenta a implementação de qualquer tratado ou Constituição.

A proposta de Sarkozy permitiria que avanços concretos fossem conquistados com mais rapidez. Ele quer ratificar tratados do bloco em nível parlamentar, o que levará adiante reformas institucionais da UE. Se ele vencer, é isso que vai acontecer em termos de Europa.

Muitos afirmam (como os partidários de Royal) que Sarkozy é muito mais pró-Estados Unidos do que se predecessor. Mas na minha opinião, se ele vencer, sua política com relação aos americanos não será muito diferente da de Jacques Chirac. Ele pode demonstrar mais abertura aos EUA, mas ele é muito preocupado com a opinião do eleitorado nesse sentido, e os franceses em geral querem manter sua independência.

Folha Online - Na possibilidade de vitória de Royal, que mudanças seriam sentidas com mais intensidade na França?

Culpepper
- Certamente é possível que ela vença, apesar de Sarkozy ter aparentemente mais chances no momento. É difícil dizer o que ela faria no governo, porque parte da estratégia dela neste segundo turno é se aproximar do centro e não está claro o nível de concessões que ela faria à esquerda ou aos centristas.

Ela discutiu a implementação de um salário mínimo em nível europeu, mas não creio que isso tenha a menor chance de acontecer. Royal teria de buscar algo simbólico que permitisse a ela continuar próxima de suas bases, mas isso potencialmente irritaria os líderes da UE. Teríamos que esperar para ver o que ela faria.

Com relação aos EUA, não acho que ela mudaria a posição do atual governo.

Folha Online - O que uma eventual derrota de Royal significaria para o futuro da esquerda na França, afastada do poder há tanto tempo?

Culpepper
- Bem, o resultado do primeiro turno pode ser interpretado de duas formas a longo prazo. Para os socialistas e simpatizantes de Royal, o resultado que ela conseguiu foi considerado uma grande vitória, e realmente foi. Ela conseguiu muitos votos e afastou o fantasma do fracasso de 2002.

No entanto, historicamente, esse resultado continua sendo baixo. Apesar de eu não acreditar que o eleitorado francês esteja se aproximando da direita como um todo, não está claro como os partidos de esquerda vão conseguir manter sua coalizão unida se ela perder. O Partido Socialista está em colapso, e o papel que eles manterão na sociedade está indefinido.

Ainda é cedo para dizer se os resultados apontam para uma polarização estável entre a direita e a esquerda, como os resultados de Sarkozy poderiam indicar, ou se uma recomposição da esquerda e uma troca pouco usual entra a esquerda e o centro podem ser esperadas para os próximos cinco anos.

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