O Lucas é um menino bem legal que enxergava as coisas todas embaralhadas. Uma coisa era sempre meio grudada com a outra. De longe, tinha coisa que ele não via, ou via muito diferente de quando ele ficava bem pertinho. Era assim: se ele estava longe do prato, parecia que o arroz e o feijão eram uma comida só, mas, quando ele chegava perto, percebia que o arroz era branco e comprido e o feijão era marrom e mais parecido com uma bolinha.
Às vezes, mesmo de pertinho, era difícil separar as coisas e perceber as formas. O mar era só um barulhão, e na hora de jogar bola, ele estava sempre chutando pra fora. No mundo do Lucas, as coisas não tinham muito contorno, eram misturadas, e era assim que ele se divertia com os amigos, e vivia a sua vida.
Eu sei disso porque a Bel Tatit e a Natalia Timerman contam um pedacinho da história do Lucas num livro lindo, que foi feito também com os desenhos da Veridiana Scapelli.
Um dia, o Lucas foi numa médica muito sabida que mostrou para ele umas lentes que o ajudavam a ver de longe o que já enxergava de perto. Tudo ganhava mais contorno, as árvores ficaram coloridas e dava até para ver um monte de coisas pequenininhas que antes ele não conseguia.
Por causa desse exame, Lucas ganhou uns óculos maneiros, e, quando ele usava os óculos, parecia que todas as coisas do mundo tinham um mundo de coisas dentro delas. O Lucas, que é muito curioso, adorou conhecer um monte de coisa nova! Era cada detalhe, era tanta informação... ele ficou superanimado!
Talvez você pense que isso que aconteceu com o Lucas, acontece com todo mundo que usa óculos. Talvez você pense que várias pessoas podem dizer a mesma coisa e que esse é só mais um livro de adulto tentando convencer as crianças a usarem seus óculos para enxergarem a lousa e aprenderem a escrever.
Mas eu vou te dizer que não é disso esse livro fala, e também não é sobre isso que eu quero falar com você.
Na verdade, na verdade mesmo, o que aconteceu é que toda essa gente adulta aprendeu uma coisa muito bonita com o Lucas.
É que teve um dia que o Lucas ficou encafifado com esse jeito outro de ver as coisas, e aí ele pensou que, mesmo agora, usando óculos, quando ele sonhava, as coisas eram ainda um tanto diferentes da vida acordada com óculos. Ele não contou pra ninguém, mas fez um plano muito esperto: ele foi dormir de óculos.
O que aconteceu eu não vou te contar, porque eu não quero ser a chata do spoiler e você vai adorar descobrir quando ler o livro. Mas, como eu sou psicanalista, e psicanalista adora sonho, adora pergunta, e adora mais ainda juntar sonho com pergunta, eu vou contar o que eu entendi que o Lucas ensinou a gente a se perguntar. Quando eu fechei o livro, fiquei pensando: "Será que é de olho com óculos que a gente precisa pra ver e pra experimentar o que os sonhos mostram?".
Sabe, no fim das contas, o Lucas faz a gente pensar se enxergar é assim tão necessário pra sonhar dormindo, e também quando se está acordado.
DEIXA QUE EU LEIO SOZINHO
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