O cientista brasileiro Warwick Estevam Kerr pesquisou coisas curiosas em sua carreira, como uma variedade de alface 20 vezes mais rica em vitamina A e um tipo da fruta pequi sem espinhos.
Ele foi muito importante para as ciências: dirigiu duas vezes o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), foi o primeiro diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), e presidiu a SBPC (Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência).
Acontece que, mesmo com essa história profissional notável, fora da comunidade científica Warwick ficou conhecido por um deslize que teria cometido: em 1957, 26 colmeias de abelhas africanas que estavam sob sua responsabilidade escaparam de um apiário experimental em Rio Claro (SP).
"Ele tinha viajado para a África como parte de uma pesquisa para melhorar a produção de mel no Brasil, que não ia muito bem. As abelhas melíferas que existiam aqui vieram da Europa durante a colonização, mas não se adaptavam ao clima tropical e não eram produtivas", conta Sarah Azoubel.
Ela é doutora em biologia e apresentadora do podcast 37 Graus, e contou a história de Warwick e das abelhas no podcast Rádio Novelo Apresenta.
"Ele selecionou abelhas rainhas na África e mandou para cá. A ideia não era simplesmente trazer as abelhas e soltar, ele tinha planejado um processo de melhoramento que envolvia cruzar as da África com as europeias que já existiam no Brasil, selecionando as características desejáveis e eliminando as indesejáveis das africanas."
E a característica indesejável principal das africanas era a agressividade, diz Sarah. Por isso que, quando elas escapam, em um incidente que ninguém nunca compreendeu exatamente como se deu, o problema que se segue é grande.
As africanas começaram a se espalhar, cruzando com as europeias locais sem controle, e criando híbridos chamados de abelhas africanizadas.
"Na década de 1970 elas já estavam por toda América do Sul tropical, nos anos 1980 na América Central, e nos 1990 no sul dos Estados Unidos. Elas só encontraram alguma dificuldade de se instalar no clima mais frio", lembra Sarah.
A expansão trouxe acidentes. "As abelhas europeias, quando detectam uma ameaça, mandam dez ou 20 guardinhas e depois de uns minutos voltam para a colmeia. As africanas são mais esquentadinhas e, se alguém bate na colmeia, elas ficam 'pistola', esvaziam a colmeia e ficam em cima do invasor por horas."
Com isso, o animal ou a pessoa que teve a infeliz ideia (ou o azar) de mexer com elas acaba picado por centenas de abelhas, o que pode ser até fatal. "Toda vez que alguém procurava um culpado, apontava o Kerr. Dizem que ele ficou devastado, ficava mal quando via notícias de acidentes", diz Sarah.
"Mas ele não ficou sem fazer nada, pelo contrário. Começou a estudar como lidar com essas abelhas, foi estabelecendo novas práticas de apicultura, equipamentos de proteção etc. E essa nova abordagem deu muito certo, tanto que nos anos 1990 os apiários brasileiros começaram a deslanchar na produção de mel."
"Tem gente que fala que esse acidente salvou a apicultura brasileira. Claro que causou danos reais, ninguém defende isso, mas teve esse outro lado. Com o passar do tempo, as abelhas foram amansando, e hoje não se ouve mais falar de tantos ataques. É como se o programa de melhoramento original do Kerr tivesse sido feito de maneira informal", conclui Sarah.
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