O antropólogo Hermano Vianna acha que crianças têm um superpoder: ensinar aos adultos como viver em um mundo de nuvens. As nuvens a que ele se refere não são exatamente aquelas que se movem no céu, mas sim os espaços virtuais que os arquivos podem ocupar, como se houvesse (e há) um grande armazém invisível para guardar coisas de todos os tipos.
O campo de estudo de Hermano é a música, e é desse tipo específico de arquivo virtual que ele fala. "As crianças de hoje em dia sabem muito bem dessas nuvens porque estão vivendo no mundo em que tudo se desmanchou no ar, não existem mais objetos, não tem CD, não tem disco de vinil, não tem iPod", afirma.
Hermano é um dos curadores de uma exposição temporária em cartaz desde julho no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, chamada "Essa Nossa Canção". Na mostra, é investigada a ligação do nosso idioma com a música. Muitos ritmos estão lá: bossa nova, sertanejo, rock, samba, funk, axé, chorinho, forró…
"A exposição pensa a palavra cantada, ela é a protagonista", adianta Hermano, que avisa que "Essa Nossa Canção" é para adultos e crianças. Esse público infantil, na opinião dele, vai se sentir em casa, porque a forma como a mostra foi organizada se parece muito com o jeito de ouvir música no dia a dia.
"Essa é a primeira geração que tem disponível todo o repertório de música do mundo todo em um clique", diz, se referindo às plataformas de streaming musical disponíveis atualmente. "As crianças escutam música de épocas diferentes misturando tudo, sem contextualizar historicamente."
"A exposição também tem isso. Na sala 1, por exemplo, as canções de hoje e de antigamente estão ali 'conversando' entre si, não tem uma linha do tempo, uma ordem cronológica, porque essa é a experiência hoje com a música."
Em outra sala de "Essa Nossa Canção", os curadores fizeram um filme com pedaços de músicas cantadas em redes sociais, principalmente no YouTube. "Acho que isso é algo que as crianças fazem muito, elas cantam e publicam a interpretação das suas canções preferidas", diz Hermano, que acredita que exista nas redes "um grande coral planetário" de pequenos cantores.
Ele espera que a exposição incentive a vontade de cantar em todos os visitantes, adultos e crianças —e, se possível, incentive a vontade de cantar em grupo. Hermano conta que já viu muitas pessoas diante das instalações da mostra soltando o gogó.
"Cantar junto com amigos é uma experiência de harmonização, porque a gente tem que aprender a cantar a música que o outro gosta. Se a exposição despertar esse desejo de cantar em grupo, assim como o desejo de compor novas canções, vai ser incrível."
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