'Onde Deus mora?', pergunta criança na seção Um Adulto Responde

Reinaldo José Lopes é o convidado da semana e cita autor de 'Nárnia', que compara presença de Deus no universo à de arquitetos nas próprias obras

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São Paulo

A pergunta de uma criança nesta semana vai direto ao ponto: se Deus existe, onde será que ele mora? Quem ajuda o menino Tom C., de 11 anos, é Reinaldo José Lopes, jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral" e colunista da Folha.

E se você conhece alguma criança que tenha uma pergunta sem resposta é só mandá-la para o email folhinha@grupofolha.com.br, que procuraremos um especialista no tema para resolver a dúvida.

Onde Deus mora?

Tom C., 11 anos

Forma oval e azulada no centro
A nebulosa do Anel do Sul (catalogada como NGC 3132), pelas lentes do telescópio Hubble - Nasa

Será que isso quer dizer que, quando as pessoas inventaram maneiras de observar o céu com mais precisão —com telescópios, satélites e estações espaciais, por exemplo—, ficou provado que o lugar está "vazio" e que Deus não existe? Não, não é assim que funciona.

O que acontece é que, durante a antiguidade e a Idade Média, as pessoas usavam a palavra "céu", no sentido religioso, para designar uma realidade que não é a mesma coisa que o tecido azul que parece estar acima das nossas cabeças todos os dias.

Essa visão diferente da nossa se baseia no pensamento de diversos filósofos antigos, como o grego Aristóteles, que viveu uns 2.300 anos atrás. Segundo essa maneira de entender o universo, a matéria que forma as coisas da Terra —os nossos corpos, os animais, as plantas, as rochas etc.— tem uma natureza diferente da que existe no céu.

Enquanto aqui embaixo as coisas estão sujeitas a mudanças, seres vivos podem morrer, objetos podem se desgastar e se desfazer, a matéria "especial" do céu, que forma o Sol, a Lua, as estrelas, os planetas e a própria morada de Deus tem uma natureza diferente.

Seria uma natureza imutável, ou seja, que não está sujeita a nenhuma transformação. Um retrato bem detalhado dessa visão de mundo aparece no longo poema "A Divina Comédia", do escritor italiano Dante Alighieri, que morreu em 1321.

(Outro detalhe importante para mostrar como o sentido das palavras muda com o passar do tempo: o poema não se chama "comédia" porque é engraçado, mas por causa do final feliz, no qual o poeta passa a compreender a natureza de Deus.)

Agora, repare o seguinte: essa visão antiga traça uma divisão tão forte entre o nosso mundo e o céu habitado por Deus que é como se, na prática, Deus estivesse presente num lugar totalmente separado. Esse céu do mundo antigo e medieval tem uma natureza tão diferente da natureza da Terra que não dá para imaginar que seria possível chegar até lá usando um foguete, por exemplo.

Conforme foi se transformando a nossa compreensão sobre como o universo funciona, a mesma lógica que antes descrevia o céu como um lugar perfeito e intocável passou a ser usada para descrever Deus como algo que está além do universo, além do alcance direto das coisas que ele teria criado.

Segundo essa lógica, o escritor britânico C.S. Lewis —que, aliás, também escreveu a série "As Crônicas de Nárnia"— compara Deus a um arquiteto: assim como a gente não espera que o arquiteto de uma casa seja uma parte da casa, uma parede ou um banheiro, não se deve esperar que Deus, que criou o universo, seja parte dele.

Cabe a você decidir se acha que esse argumento faz sentido ou não.

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