Filmes de Werner Herzog retratam duelo épico entre o homem e o mundo selvagem

Para cineasta, o movimento da vida sempre ocorre em um 'profundo oceano de caos e escuridão'

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São Paulo

Nos bastidores da turbulenta filmagem de “Fitzcarraldo”, rodado na Amazônia peruana, Werner Herzog resumiu o que pensava das selvas, cenários de tantos dos seus filmes. “A natureza aqui é vil. As árvores sofrem, os pássaros sofrem.” A fala, longe de qualquer deslumbramento ecológico, dá pistas sobre uma das inquietações do diretor.

O embate entre homem e mundo selvagem atravessa longas como “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972), sobre uma expedição colonizadora que se esfacela na floresta, e “O Sobrevivente” (2006), que acompanha um militar americano versus a fúria das monções no Laos, durante a Guerra do Vietnã. 

O mesmo duelo aparece em “O Enigma de Kasper Hauser” (1974), sobre um jovem que cresceu isolado de convívio social. O que intriga o diretor aqui é até onde o homem é produto de sua essência animal e até onde é uma construção cultural.

Nos seus filmes, a natureza nunca é só terreno de provações. Ameaçadora, é a fagulha que transforma fixações individuais em atos insanos. 

É o caso dos delírios do protagonista de “Fitzcarraldo” (1982), que quer construir uma ópera no meio do mato. E das obsessões do ativista exposto no documentário “O Homem Urso” (2005), que tanto lutou para salvar ursos do Alasca e acabou devorado por um deles.

Cena do filme "Fitzcarraldo", de Werner Herzog, com o ator Klaus Kinski
Cena do filme "Fitzcarraldo", de Werner Herzog, com o ator Klaus Kinski - Divulgacao

Não por acaso, Herzog foi convidado a dirigir “Fordlândia”, para recuperar a história do magnata Henry Ford, que insistiu em criar uma fábrica automotiva e uma cidade no meio da Amazônia. As ruínas estão até hoje no Pará. 

Herzog vê a humanidade com a lente cética de quem nasceu sob o jugo do nazismo. “Sou fascinado pela noção de que a civilização é uma fina camada de gelo sobre um profundo oceano de caos e escuridão”, escreveu. 

“Coração de Cristal” (1976) é a síntese dessa fragilidade: filmado com o elenco sob hipnose, conta a história de aldeões que cedem à loucura depois da morte do único homem que sabia criar certo tipo de vidro, riqueza do povoado.

Um pouco desse mesmo sentimento de descrença respinga nas obras de seus companheiros de geração Wim Wenders e Rainer Werner Fassbinder, nomes que, antenados à ousadia da nouvelle vague, deram cara ao novo cinema alemão, cujo auge foi nos anos 1960 e 1970. 

Filiações à parte, Herzog nunca foi dos maiores fãs da teorização sobre o seu ofício. “Os filmes não brotam do pensamento acadêmico abstrato, mas dos joelhos e das coxas.” 

O mote orienta o curso pouco ortodoxo que ele dá aos interessados em aprender macetes de cinema de guerrilha. Nas aulas, alerta que são proibidos temas como “crescimento interior” ou “descoberta dos próprios limites”. O curso, anuncia seu site, é voltado a “quem trabalhou como segurança em bordel ou foi porteiro em hospício e a quem viajou a pé.” 

O próprio Herzog é um entusiasta das caminhadas, rota para o que chama de “verdade do êxtase”. Bravata ou não, ele conta como foi a pé de Munique a Paris para visitar uma amiga prestes a morrer. 

A morte, aliás, é outra obsessão sua, presente na refilmagem de “Nosferatu” (1979), uma de suas cinco parcerias com o ator-encrenca Klaus Kinski. O tema é escancarado não só no simbolismo do vampiro, mas na praga das ratazanas que infestam uma cidade. 

Nada estranho a um cineasta que já esteve perto de morrer várias vezes. Herzog teve uma entrevista interrompida quando um atirador disparou contra ele. Nos vídeos sobre o atentado, o diretor permanece inalterado, mesmo quando a bala de ar comprimido o atinge na cintura. Ele só sorri: “Não é nada significativo”.

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