2014 tem menor volume de cartas enviadas em 15 anos
Número caiu 60% em relação a 2001, recorde do período; internet influenciou
Na contramão da tendência, ONG Amor de Cartas envia mensagens para quem passa por crise pessoal
Com pessoas e empresas recorrendo crescentemente a meios digitais, o número de cartas enviadas em 2014 chegou ao menor nível dos últimos 15 anos.
Dados levantados pelos Correios a pedido da Folha mostram que 2,4 bilhões de cartas foram mandadas no ano passado. O número é cerca de 60% menor do que os 6,1 bilhões enviados em 2001, maior volume desde o ano 2000 --quando as correspondências passaram a ser organizadas de maneira comparável com a de hoje.
De acordo com o critério estabelecido pelos Correios, entram na categoria "cartas" itens enviados por pessoas físicas (como mensagens manuscritas) e jurídicas (cartões, multas, notificações), mas não telegramas, marketing direto ou o chamado FAC (Franqueamento Autorizado de Cartas), usado para o envio de grandes volumes de correspondências comerciais. Também ficam de fora as encomendas.
A queda no número de cartas foi mais intensa entre 2002 e 2003 --em torno de 23%. A partir de 2010, o número passou a orbitar os 2,5 bilhões. Ele nunca havia contudo atingido o nível de 2014.
A diminuição ocorre mesmo com o crescimento da quantidade de pessoas e de empresas. Desde 2000, houve um aumento de 17% da população, chegando em estimados 202,7 milhões no ano passado. Já a quantidade de empresas subiu em torno de 20% entre 2006 e 2012, quando havia 5,1 milhões delas. As informações são do IBGE.
"O Brasil está acompanhando uma tendência mundial", diz a vice-presidente de negócios dos Correios, Morgana Cristina Santos. "O tráfego de correspondência tem caído cerca 4% ao ano no mundo todo", afirma.
DIGITALIZAÇÃO
Ainda que não exista um estudo pormenorizado das informações --não há, por exemplo, números só de cartas de pessoas físicas nem divididos por regiões do país--, a estatal dá como certo que a tendência é ligada à crescente digitalização das relações comerciais e afetivas.
Duas estatísticas, também do IBGE, ajudam a dimensionar o aumento.
Em 2003, 11,4% dos domicílios brasileiros tinham um computador conectado à rede. Em 2013, essa proporção havia quase quadruplicado, e chegou a 42,4%.
Outra questão importante é a posse de telefones celulares --que também são capazes de mandar mensagens. Em 2005, 36% dos brasileiros tinham um aparelho para uso pessoal. Em 2013, esse percentual chegou a 75%.
Morgana diz que, mesmo sem ter um maior detalhamento, é possível afirmar que o número de correspondências pessoais está caindo de maneira mais acelerada. "Mais de 90% das cartas hoje são de pessoas jurídicas."
RESISTÊNCIA
Alguns tentam, a seu modo, resistir. A publicitária Patrícia Mello, 31, fundou há quase um ano em Campinas (SP) uma ONG, Amor em Cartas, que funciona assim: uma pessoa pede à organização que mande uma carta para uma terceira pessoa --a qual, na maior parte das vezes, passa por alguma crise pessoal.
A ONG então aciona um voluntário (80% são mulheres), que redige a mensagem, enviada ao destinatário por correio. Nenhum dos elos sabe o nome do outro.
Patrícia percebeu o poder curativo da escrita quando perdeu a mãe e passou a escrever cartas para si mesma. "Foi a maneira que eu achei de superar a morte dela."
Mais de 1.600 cartas foram escritas por mil voluntários.
"São coisa tão simples e genéricas que as pessoas não sabem mais fazer. Hoje em dia é um e-mail, abreviado, com três palavrinhas e só", diz Patrícia.