Governo Alckmin esvazia ações para conter mortes por policiais
Medidas de combate à morte de suspeitos em confrontos foram extintas ou operam precariamente
SP teve 571 mortes em decorrência de abordagens da polícia, diz ouvidoria; governo diz reforçar programas
Na contramão do crescimento recorde de mortes praticadas por policiais em São Paulo, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) esvaziou mecanismos de repressão e prevenção criados para reduzir a letalidade estatal.
As três medidas mais diretas de combate à morte de suspeitos em confrontos foram extintas ou funcionam de forma insuficiente para enfrentar uma problema considerado endêmico.
De acordo com a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, 571 pessoas morreram entre janeiro e agosto deste ano no Estado em decorrência de abordagens das polícias Civil e Militar. É o maior índice desde 2006 nesse intervalo de oito meses.
O dado é contestado pela Secretaria da Segurança, que afirma reforçar os programas para combater as mortes (leia texto abaixo).
Desde 2011, o Estado não conta com a Comissão Especial de Redução da Letalidade, que funcionou por 11 anos e tinha o objetivo de investigar e reduzir as mortes por intervenções policiais.
Essa comissão, formada por representantes das três polícias, da Ouvidoria e de institutos de estudo da violência, analisava os casos de confrontos com mortes e produzia informes sobre causas e maneiras de evitá-las.
Na semana passada, a recriação dessa comissão foi incluída pelo Conselho da Ouvidoria da Polícia do Estado em uma série de pedidos a serem apresentados ao governo.
Um outro grupo criado em 2014, também integrado por setores da sociedade civil, foi desmobilizado antes mesmo de seu funcionamento ideal.
A dissolução ocorreu após a aposentadoria do oficial responsável pela coordenação por parte da PM, o coronel Glauco Silva de Carvalho. O governo paulista não indicou um substituto.
Com previsão de financiamento de R$ 10 milhões pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o grupo buscaria entender os motivos para o policial matar, muitas vezes sem justificativa. Analisaria ainda a vulnerabilidade do PM nas regiões periféricas, a carência da Justiça nessas regiões e os baixos índices de esclarecimento de crimes pella Polícia Civil.
Um dos integrantes desse grupo, o especialista em segurança pública Cláudio Beato diz que as medidas adotadas atualmente pela polícia são insuficientes, até porque ninguém estudou corretamente o problema.
Para ele, não é correto entender a questão pela analogia da "maçã podre" (que responsabiliza indivíduos).
"Em uma companhia de aviação em que começam a cair muitos aviões, tem o problema dos aviões, mas é preciso estudar muitas caixas-pretas para saber o que está errado. O problema é que, na polícia, não há caixa-preta como nos aviões. O desconhecimento é uma das maiores causas dos problemas."
Em funcionamento desde 2002, o Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar, o PAAPM, fornece assistência psicológica a policias envolvidos em "ocorrências de alto risco", mas é considerado falho por oficiais ouvidos pela Folha. Segundo eles, os PMs ficam em média cerca de uma semana afastados, contra os seis meses do Proar, o programa anterior.
Dois dos 11 PMs presos por participação na morte da dupla rendida no Butantã (zona oeste), neste mês, tinham envolvimento em casos de mortes em janeiro, mas não há registros de que foram afastados das ruas pelo programa.