|
|
O futuro da Alemanha dez anos
após a queda do muro de Berlim
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
Ao ruir, dez anos atrás, o Muro de Berlim liberou um fantasma e fez
um cadáver.
O fantasma era o do ressurgimento do instinto imperial e expansionista da
Alemanha, sua grande característica na primeira metade do século.
Afinal, o país já era a terceira potência econômica
mundial, atrás apenas dos EUA e do Japão, ganharia 20 milhões
de habitantes para acrescentar seus 60 milhões e ficaria livre das
tropas estrangeiras que o ocuparam ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
O cadáver que não se libertou dos escombros do Muro é
o da esquerda, pelo menos da esquerda ortodoxa, que acreditava em um Estado
todo-poderoso capaz de cuidar da vida do cidadão do berço
ao túmulo, como se orgulhavam de dizer os líderes da igualmente
morta Alemanha Oriental.
Associated
Press - 12.nov.89
|
|
Três dias
após a abertura da fronteira que separava o Leste e Oeste,
berlinenses festejam sobre o Muro de Berlim |
Nesses dez anos, o fantasma dissolveu-se, mas o cadáver permanece.
A nova Alemanha é, hoje, uma potência que prefere conduzir
do assento traseiro, na prosaica imagem formulada pelo seu atual ministro
de Relações Exteriores, o verde Joschka Fischer.
É muito claro que a Alemanha não é o tipo de
ameaça que já foi, diz, por exemplo, Belinda Cooper,
pesquisadora-sênior do World Policy Institute, mesmo sendo ela própria
filha de sobreviventes do Holocausto, a matança de judeus executada
pelo nazismo alemão.
Ao contrário do passado, a Alemanha não invade. É invadida
por uma onda de refugiados que já são 1,3 milhão ou
21% do total da Europa.
Continua sendo a terceira potência do planeta, um terço mais
rica que a França, a segunda, mas patina economicamente. Em parte,
pelo preço da reunificação (R¹ 1,2 trilhão
foi gasto na antiga fatia oriental do país). Em parte porque seu
ultrageneroso modelo de bem-estar social verga sob o peso de seu custo (só
para dar um exemplo: os 4 milhões de desempregados, um de cada dez
trabalhadores, têm direito a subsídios que variam de 60% a
100% dos antigos salários).
De todo modo, a Alemanha está em melhor forma que a esquerda em geral,
a grande vítima do muro. Mesmo um sociólogo como o mexicano
Jorge Castañeda, que ainda vê importantes diferenças
entre esquerda e direita, diz:
O centro de gravidade de fato se deslocou para a direita. Há
30 anos, ainda havia quem achasse que o Estado tinha um papel como empresário.
Hoje, não. |