São Paulo, quinta-feira, 4 de novembro de 1999




O futuro da Alemanha dez anos
após a queda do muro de Berlim


CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Ao ruir, dez anos atrás, o Muro de Berlim liberou um fantasma e fez um cadáver.
O fantasma era o do ressurgimento do instinto imperial e expansionista da Alemanha, sua grande característica na primeira metade do século.
Afinal, o país já era a terceira potência econômica mundial, atrás apenas dos EUA e do Japão, ganharia 20 milhões de habitantes para acrescentar seus 60 milhões e ficaria livre das tropas estrangeiras que o ocuparam ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
O cadáver que não se libertou dos escombros do Muro é o da esquerda, pelo menos da esquerda ortodoxa, que acreditava em um Estado todo-poderoso capaz de cuidar da vida do cidadão do berço ao túmulo, como se orgulhavam de dizer os líderes da igualmente morta Alemanha Oriental.
Associated Press - 12.nov.89
Três dias após a abertura da fronteira que separava o Leste e Oeste, berlinenses festejam sobre o Muro de Berlim

Nesses dez anos, o fantasma dissolveu-se, mas o cadáver permanece. A nova Alemanha é, hoje, uma potência que prefere “conduzir do assento traseiro”, na prosaica imagem formulada pelo seu atual ministro de Relações Exteriores, o “verde” Joschka Fischer.
“É muito claro que a Alemanha não é o tipo de ameaça que já foi”, diz, por exemplo, Belinda Cooper, pesquisadora-sênior do World Policy Institute, mesmo sendo ela própria filha de sobreviventes do Holocausto, a matança de judeus executada pelo nazismo alemão.
Ao contrário do passado, a Alemanha não invade. É invadida por uma onda de refugiados que já são 1,3 milhão ou 21% do total da Europa.
Continua sendo a terceira potência do planeta, um terço mais rica que a França, a segunda, mas patina economicamente. Em parte, pelo preço da reunificação (R¹ 1,2 trilhão foi gasto na antiga fatia oriental do país). Em parte porque seu ultrageneroso modelo de bem-estar social verga sob o peso de seu custo (só para dar um exemplo: os 4 milhões de desempregados, um de cada dez trabalhadores, têm direito a subsídios que variam de 60% a 100% dos antigos salários).
De todo modo, a Alemanha está em melhor forma que a esquerda em geral, a grande vítima do muro. Mesmo um sociólogo como o mexicano Jorge Castañeda, que ainda vê importantes diferenças entre esquerda e direita, diz:
“O centro de gravidade de fato se deslocou para a direita. Há 30 anos, ainda havia quem achasse que o Estado tinha um papel como empresário. Hoje, não”.

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