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Alemães desfilam tolerância e culpa
País abriga 21% dos refugiados da Europa e já gastou
US$ 56 milhões com indenização a vítimas de
guerra
na Alemanha
A Alemanha se vê com os olhos da culpa, mas também com os
da tolerância. Apoio a refugiados, indenizações de
guerra e acolhimento de estrangeiros são o tripé da estratégia
alemã para falar do país como um lugar que reconhece os
crimes do Holocausto.
A favor da Alemanha tolerante, os números: o país
concentra 1,3 milhão de refugiados ou requerentes de asilo, 21%
do total da Europa, informa o relatório de 1998 do Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados.
Em território alemão vivem hoje 949 mil pessoas já
reconhecidas como refugiadas e outras 370 mil à espera de asilo.
Na França, tradicional defensora dos direitos humanos e das liberdades
individuais, vivem 140 mil refugiados. Em 98, a Alemanha recebeu 98 mil
pedidos de asilo, a maioria de moradores da Iugoslávia.
Para o ministro do Interior, Otto Schily, muitas pessoas vêm usando
o recurso de pedir asilo mesmo que não estejam sendo vítimas
de perseguições, apenas com o objetivo de entrar no país.
O governo vai agir de duas formas: intensificando os programas de auxílio
a países pobres, em desenvolvimento ou com problemas internos;
e reforçando o policiamento em suas fronteiras.
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50 anos de culpa
Pagar compensações de guerra tem sido outra forma de tentar
reparar os danos da Segunda Guerra Mundial. Até este ano, foram
pagos US$ 56 milhões em reparações, sendo US$ 43
milhões a perseguidos por motivos de raça ou religião
ou a suas famílias.
Oficialmente, o discurso da culpa é este: Os alemães
estão conscientes das crueldades do regime nazista, e os assassinatos
em massa de judeus não podem ser esquecidos. Sentimos vergonha
e assumimos a responsabilidade, disse à Folha o advogado
Feeke Meents, do Bundespresseamt, o Departamento de Imprensa e Informação
do governo alemão.
Os alemães tiram lições do passado. Temos um
direito de acesso liberal para pessoas perseguidas porque sabemos quão
terrível é a situação deles. Por causa dessa
relação ativa com o passado, os alemães não
andam por aí com o sentimento de culpa.
Para ensinar aos jovens alemães o passado, são comuns na
Alemanha placas e monumentos com o mea culpa sobre a mortandade
dos judeus. Em Weimar, o antigo campo de concentração de
Buchenwald recebe hoje turmas de estudantes alemães e até
de judeus que querem conhecer o passado de seus avós.
O mesmo campo recebe grupos de recrutas do Exército alemão,
um dos pólos de concentração das novas hordas de
neonazistas.
Em Buchenwald, o contraste: enquanto a Alemanha mostra ao mundo o que
fez, um grupo de estudantes judeus é xingado pelos jovens alemães.
Tenho pena deles, diz Reut Amihud, 15, estudante israelita
que visita o local.
Para o germanista Paulo César de Souza, o sentimento de culpa do
povo alemão é inevitável, porque passou-se pouco
tempo desde o Holocausto. Cinquenta anos não são nada
na história. Mesmo pessoas jovens sentem isso. Quando elas descobrem
o que foi o Holocausto, sofrem um choque, diz Souza, tradutor de
Freud, Nietzsche e Brecht.
Souza lembra que o anti-semitismo não foi um fenômeno alemão.
Penso nisso como parte de um conflito de tensões milenares
dentro da cultura cristã ocidental, num contexto do qual fazem
parte as frustrações dos alemães na Primeira Guerra,
a depressão e a ruptura do tecido social.
Para o filósofo Roberto Romano, professor de filosofia política
na Unicamp, o sentimento de culpa não é tão universal
entre os alemães. Mais comum, diz ele, é o mal-estar que
o assunto provoca.
Percebo que alguns alemães, especialmente os mais jovens,
estão cansados dessa culpa, porque dizem que não foram eles
que fizeram o Holocausto. É complicado atribuir culpa a multidões.
Romano diz também que a tolerância ainda esbarra em peculiaridades
regionais e problemas como o neonazismo.
(FERNANDA DA ESCÓSSIA)
(SÍLVIA CORRÊA)
As jornalistas Fernanda da Escóssia e Sílvia Corrêa
viajaram a convite do Departamento de Imprensa e Informação
do governo alemão
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