São Paulo, quinta-feira, 4 de novembro de 1999




1 EM CADA 5 ALEMÃES QUER A VOLTA DO MURO DE BERLIM

Pesquisa mostra que apesar de 76% da população concordar com a reunificação, 18% crêem que viveriam melhor no país dividido; no Leste, sentimento é de rejeição

FERNANDA DA ESCÓSSIA
SÍLVIA CORRÊA
na Alemanha

Associated Press - 10.nov.89
Um dia após a abertura da fronteira entre as duas Alemanhas, ocidentais e orientais festejam sobre o Muro de Berlim, que separou por 28 anos os dois países; ao fundo, o Portão de Brandemburgo


“Wir wollen ünsere Mauer wieder” (“Quere-mos nosso muro de volta”). O slogan escrito em cartazes e cami-
setas de jovens orientais meses após a queda do Muro de Berlim resume hoje o desejo de um em cada cinco alemães.
O dado surgiu em uma pesquisa feita em setembro pelo instituto berlinense Forsa para saber o que pensam os alemães de si mesmos, do país e de seus “vizinhos” dez anos depois da queda da muro.
Nos números, a constatação: condenados à convivência, muitos alemães ainda estão longe de se enxergar como viajantes de um mesmo trem _72% deles avaliam como pouca ou nenhuma a integração entre Leste e Oeste.
São os “wessis” (alemães ocidentais) os que hoje se dizem mais insatisfeitos com os caminhos da história _20% afirmam que querem o muro de volta, e 62% não vêem nenhuma melhora na própria qualidade de vida.
Não chega a ser uma virada, já que 76% de toda a Alemanha é contrária à volta da divisão, mas é um quadro bem distinto do apresentado há dez anos.


Em setembro de 1989, dois meses antes da queda do muro, apenas 11% dos moradores do Oeste não queriam a reunificação, de acordo com uma pesquisa feita na época pela revista “Quick”. No Leste, eles eram 26%. Caíram hoje para 14%.
A troca de papéis é o retrato de uma população que está sentindo na pele as vantagens e os percalços da reunificação, que tem faces distintas em cada um dos lados.
“Eles ganharam a liberdade. Nós perdemos dinheiro e segurança”, resume o pedagogo Robert Schwarz, 50, um “wessi” nascido em Stuttgart, no sul do país.
No Oeste, dizem os “wessis”, o dinheiro sumiu. Os subsídios foram suspensos, dando lugar à “taxa da solidariedade” _verba para a recuperação da parte oriental que engole 7% dos salários.
Cerca de R$ 1,2 trilhão já foi gasto no Leste, mas 47% dos ocidentais não sabem se esse investimento valeu a pena.
Mas se a avalanche de recursos chegou ao Leste, dizem os “ossis” (alemães orientais), ela arrasou os empregos e a cultura local.
Em geral mais otimistas, os “ossis” reclamam da rejeição pós-unificação.
“Passamos por um processo de anexação. O modelo ocidental foi adotado para tudo, e o que sabíamos deixou de ter valor”, diz o mecânico Gunther Reissmann, 53, que trabalha em uma fábrica do Leste e prefere a Alemanha hoje, mas critica o desprezo pelas realizações do Estado socialista.

As facetas do muro
As diferentes visões de mundo são uma das muitas facetas visíveis de um muro cultural, político, social e econômico que está em toda a parte: nas falas, na arquitetura, na qualidade de vida e no mercado de trabalho.
Na periferia de Berlim Oriental, capital da extinta RDA, estão os bairros pobres da cidade _Cohabs gigantes que surpreendem o turista recém-vindo do Oeste.
Nesses bairros, o índice de desemprego chega a 18%, contra 9% na parte ocidental do país. Mas não é só: quem trabalha nessas regiões recebe, ainda hoje, apenas 80% do salário de um ocidental que exerça as mesma funções “do lado de cá da Alemanha”.
“Antes eu tinha dinheiro, mas não tinha o que comprar. Hoje, sobram lojas, mas não tenho dinheiro”, diz o metalúrgico desempregado Stefan Koch, 45, um dos mais de 400 mil trabalhadores demitidos no processo de liquidação das empresas da RDA.
Nessa sociedade de diferenças e estranhamentos, a insegurança é geral: 55% dos alemães declaram ter medo do que vai acontecer com o país nos próximos anos ou dizem não conseguir prever o próprio futuro.

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