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A sensação de ter
visto um filme errado
na Alemanha
Muitos se perguntam se viveram errado. É como se tivéssemos
saído do cinema com a sensação de que vimos o filme
errado.
É assim que o último primeiro-ministro da ex-Alemanha Oriental,
o democrata-cristão Lothar DeMaizière, 58, define o que
sente hoje grande parte dos óssis, que ele governou
entre a queda do muro e a reunificação alemã.
Em entrevista à Folha, DeMaizière, um advogado atuante
da Igreja Luterana, admite que a reunificação não
foi exatamente o que ele esperava, mas rejeita a idéia de que a
manutenção da divisão teria sido melhor.
Leia trechos da entrevista:
Folha - Como o sr. vê o processo de reunificação?
Lothar DeMaizière - Está sendo difícil. Eu
achava que seria mais rápido e barato. Mas há muitos, muitos
entraves de mentalidade.
Folha - Quais são?
DeMaizière - São tantos. Uma pessoa que é
criada em uma ditadura tem outros valores. Existe, por exemplo, uma dor
muito grande que cerca o conceito de justiça. Porque a justiça
na RDA estava ligada à igualdade. Mas os conceitos e valores ocidentais
viraram meta para tudo. Isso faz com que as pessoas se sintam desprezadas
e cria uma tensão. É quando a saudade da segurança
perdida se choca com o desejo da liberdade incerta. Há quem diga
que é síndrome de colonização.
Folha - O sr. concorda que houve uma anexação, como
dizem alguns alemães do Leste?
DeMaizière - Vocês não podem imaginar o que
significa para um povo inteiro ter de aprender tudo de novo. A legislação
mudou, o direito mudou, os formulários mudaram. Isso fez com que
toda a experiência de uma vida ficasse inútil. Porque nesse
processo, o professor foi sempre a RFA. Wessi virou sinônimo
de wissen (saber melhor). Então muitos se perguntam
se viveram errado. É como se tivéssemos saído do
cinema com a sensação de que vimos o filme errado. Um dia,
um grupo de velhos cantava antigas canções comunistas, e
alguém mais jovem me perguntou: Por que eles cantam essas
canções da ditadura?. Ora, porque eles não
sabem outras. É assim em tudo.
Folha - Isso não foi previsto?
DeMaizière - Nós só tivemos tudo isso mais
claro quando o processo começou. Porque não havia exemplo
a seguir, não havia para onde olhar para ver como os outros tinham
feito. Batalhamos muito para que os diplomas universitários da
RDA fossem aceitos na reunificação. A RFA não queria,
mas eu dizia: A gente não pode roubar a biografia das pessoas.
Só que hoje não tem ninguém interessado nessas pessoas.
Folha - O resultado faz o sr. se arrepender do que defendeu?
DeMaizière - Moisés conduziu seu povo pelo deserto
durante 40 anos para sair da opressão egípcia. Na metade
do caminho, uma parte do povo queria voltar, dizendo que, apesar de opressor,
o Egito era melhor porque eles tinham comida e roupa. Diziam que o caminho
para a liberdade era muito cansativo. Outra parte do povo queria seguir
em frente. Estamos nesse ponto. Eu sei que parte do povo está decepcionada,
mas temos que seguir adiante.
(SÍLVIA CORRÊA)
(FERNANDA DA ESCÓSSIA)
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