Crítica - Documentário
Mestre das letras e Bethânia fazem leitura saborosa dos versos de Fernando Pessoa
"Eu estou preso ao meu pensamento como o vento preso ao ar." O verso é de Fernando Pessoa e é a sua definição de poesia. "Como é que o vento está preso ao ar? Porque é feito de ar. Eu sou o pensamento", explica a professora Cleonice Berardinelli. "Que coisa linda isso!", exclama a cantora Maria Bethânia.
Com declamações e diálogos assim, "O Vento Lá Fora" é um passeio delicioso sobre as maravilhas do escritor português. Dirigido por Marcio Debellian, mostra a sessão na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2013 em que a mestre e a cantora leram poemas e comentaram a obra de Fernando Pessoa (1888-1935).
Bethânia demonstra admiração pelo poeta colocando seus versos em discos. Berardinelli, 98, é a maior especialista em Pessoa no país. É dela a primeira tese sobre o poeta no Brasil --e a segunda no mundo. Professora emérita de literatura portuguesa da UFRJ e integrante da Academia Brasileira de Letras, declama desde menina.
Em 1962, fez um programa de rádio sobre Camões com o poeta Manuel Bandeira. Com toda essa experiência (mais de 70 anos de magistério), dona Cleo dá show no filme.
Preocupada com entonações, separações de sílabas, hiatos, emoção, conteúdo, ela vai declamando e corrigindo falhas em Bethânia. De vez em quando, lança um comentário.
Por exemplo, depois da leitura do poema sobre o ridículo das cartas de amor, dona Cleo afirma: "Coitado do Fernando Pessoa! Nunca soube escrever cartas de amor".
Sem grandes preocupações com didatismos, a fita se deixa levar pela conversa. Filmada em preto e branco, cria ambiente de intimidade com a poesia. Na seleção de versos, trechos de "O Guardador de Rebanhos", "Poema em Linha Reta" e "Aniversário".
"O Vento Lá Fora" abre uma fresta para a degustação do imenso poeta. Para além dos versos, faz uma homenagem à mestra que ensinou Pessoa para várias gerações.