Crítica Teatro/drama
Peça na escuridão permite a descoberta de prazer sensorial
Assistir à montagem de "Acorda, Amor", da companhia Teatro Cego, tem pouco a ver com a experiência de assistir a um espetáculo qualquer de olhos fechados.
Na encenação, feita na mais completa escuridão, o espectador pode passar os primeiros minutos desconfortável com a cegueira total.
Mas, em pouco tempo, terá uma surpresa ao enxergar, sem precisar de muito esforço da imaginação, todo o ambiente em que a ação se passa. E, ao contrário do cego que vai a uma peça comum (se não tiver ajuda de audiodescrição), não sentirá que está deixando de enxergar absolutamente nada.
A maior parte das cenas do espetáculo é ambientada em um esconderijo no qual estão refugiados três membros de uma guerrilha que combate à ditadura militar.
O quarto principal dessa casa fica em um corredor no meio da plateia, a sala de refeições um pouco à frente e, sobre o palco, há um banheiro e uma porta de saída. Atrás do público fica uma escada, que leva ao sótão.
Sabe-se disso porque a sensibilidade do espectador é minuciosamente guiada pelos sons do ambiente, seja de batidas na porta, seja o da louça sendo usada durante uma refeição. Há também pequenos detalhes, como trincos sendo fechados, chinelos arrastando pelo chão, e até pequenas experiências com o olfato e o tato.
A peça conta com canções de Chico Buarque, tocadas pelo grupo Social Samba Fino, cujos músicos estão facilmente localizáveis à esquerda da plateia.
Seus integrantes tocam sem ver as teclas do piano ou os trastes da guitarra. Eles brilham na execução rápida e potente de "Roda Viva", acompanhada com vigor pelos atores no meio da plateia. A música amplia seu espaço e preenche todo o teatro.
Simples e familiar, o enredo em torno de um quarteto amoroso entre Natasha (interpretada com desenvoltura por Sara Bentes, que é cega) e outros três guerrilheiros coloca em questão a disputa entre a obediência a ideais políticos e o amor.
Ele cumpre bem os objetivos da companhia: dá oportunidades para que atores com deficiência tenham papéis que não sejam de cegos e permite ao espectador descobrir o prazer sensorial disponível sem a necessidade dos olhos.
Com a intenção de que nenhum detalhe sonoro seja perdido, pode haver certo exagero nas dicas nos diálogos: diz-se que o café vai sair e o cheiro dele invade o teatro; um personagem fala que vai tomar banho e houve-se o som da torneira.
Mas isso pode ser só uma percepção de quem está treinado na tarefa, mais difícil, de interpretar sons em peças feitas às claras.
ACORDA, AMOR
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h; até 19/4
ONDE CCSP, r. Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3397-4002
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO muito bom