Crítica teatro/musical
Sátira acerta ao levar humor a trama política
Versão de um espetáculo da Broadway, 'Urinal, o Musical' mostra uma cidade fictícia que sofre com a falta de água
É a primeira montagem de maior impacto num circuito que se poderia chamar de "off" para musicais em São Paulo, desenvolvido nos últimos poucos anos.
E é um espetáculo que, antes de mais nada, requer transferência de teatro, como aconteceu com o original americano, para o circuito da Broadway, das grandes salas.
Diante de sua qualidade, tanto no texto de Greg Kotis como na música de Mark Hollmann, bem costurados um ao outro, e na encenação de Zé Henrique de Paula, rica em muitos sentidos, é o caso de exigir agora uma plateia melhor. Assentos melhores.
E também um palco menos acanhado, que permita os voos que não só a encenação mas a direção musical de Fernanda Maia demandam.
"Urinal, o Musical" chama a atenção por abordar questão politicamente relevante hoje, sobretudo em São Paulo: o impacto do homem sobre a natureza, a falta d'água.
Mas mais significativo, como experiência teatral, é tratar-se de uma sátira e uma homenagem aos musicais políticos, Brecht inclusive. Mais do que qualquer viés temático, é o que leva ao engajamento incontinente com seu humor.
Como no fascínio causado por Luz --filha de Patrãozinho, dono do monopólio dos banheiros na cidade de Urinal--, que se apaixona por Bonitão, líder da revolução pelo direito de urinar livremente.
O título em português e os nomes dos protagonistas são exemplos da adaptação engraçada e funcional de Paula e Maia, supervisionados por Claudio Botelho. No original, eram Hope, Caldwell B. Cladwell e Bobby Strong, respectivamente. E o título era "Urinetown", cidade da urina.
Luz é feita com autoironia pela bela Bruna Guerin, cantora profissional conhecida por musicais como "Hair", que se destaca pela voz, mas sobretudo pelo tempo de comédia, que leva o público o rir nas cenas mais inusitadas, com simples gestos, olhares.
O Bonitão de Caio Salay não fica atrás, compondo um casal envolvente e respondendo pela maior rasteira da trama na expectativa romântica dos espectadores, ao morrer subitamente.
O Policial de Daniel Costa é outro destaque, narrando e participando da trama, derrisoriamente, à maneira de Brecht. Aliás, as letras de Kotis e Hollmann já tratam de seguir o teatro épico, cantadas quase sempre de olho no público e raciocinando com ele.
Costa forma boa dupla, para tanto, com a Garotinha de Luciana Ramazini, uma espécie de conarradora. Como Patrãozinho, o veterano Roney Facchini é outro ganho para a comédia musical, não pela voz, mas pela ironia intermitente e pela empatia que traz para um personagem que é, afinal, o grande malvado da história.
No canto, o deleite maior, junto com Luz, é garantido pela Velha Bonitona de Bia Bologna. Com diferentes qualidades, da dança ao humor, o elenco de 13 atores entrega representação bem uniforme.
Os figurinos, mesmo sendo reciclados pelo que se informa, não ficam devendo a produções mais luxuosas de franquias da Broadway.
Já a distribuição cenográfica, inclusive a localização da banda, embora engenhosa para o mínimo espaço, resulta empilhada e congestiona coreografias e marcações.
Quanto ao tema da crise da água, trata-se de uma coincidência, porque eclodiu em São Paulo depois de iniciado o processo de produção, que acentua comicamente os duplos sentidos com vocábulos ecoando urina, fezes etc.
Mas não é especialmente envolvente, diferente de seus modelos, como a "Ópera dos Três Vinténs". Sua mensagem final é algo ingênua, lugar-comum, evitando conflito e solapando a capacidade crítica.