Crítica cinema/comédia
Apenas Glória Pires põe filme um degrau acima do humor feito no país
Com um 'timing' indispensável para a risada, atriz compensa piadas bobas, romanticismo e colegas ruins
Os órfãos da arquivilã Beatriz de "Babilônia" nem terão tempo de sentir falta de sua malvada favorita. A estreia de "Linda de Morrer", sincronizada com as últimas semanas da novela, pega carona na evidência de Glória Pires todas as noites na nossa casa.
Sem temer os riscos de cansar o público com a superexposição de sua imagem, a atriz retorna ao cinema num papel sob medida para seu status de estrela.
A comédia conduzida com habilidade por Cris D'Amato consegue evitar as piadas toscas que predominam no humor do cinema brasileiro e explora a obrigação de perfeição física que escraviza homens, mulheres, crianças e até cachorros.
Não espere nenhuma crítica ácida ao tema, pois o limite da graça do filme está em caricaturizar a caricatura.
Pires interpreta Paula, médica que inventa um medicamento milagroso que promete acabar de vez com a celulite sem nenhum esforço. Só que o feitiço não demora a virar contra a feiticeira quando se descobre que efeitos colaterais alteram o corpo mas também o comportamento da legião de consumidoras.
A primeira vítima é a própria médica, que proclama o advento da receita mágica após fazer o papel de cobaia de si mesma sem considerar os riscos. Antes de ir repousar de vez, ela tem de consertar o estrago que promoveu.
Além disso, a conversão em puro espírito de alguém tão preocupada com a aparência dá uma forcinha nas situações em que o filme resolve questionar valores.
Boa parte das piadas explora os desencontros entre espírito e corpo, como uma espécie de "Se Eu Fosse Você 3" concentrada em Glória Pires. Desmaterializada, só resta à médica virar um encosto e atormentar o jovem psicólogo que desconhecia ter poderes mediúnicos.
Outro punhado de risadas é resultado das reações adversas ao medicamento, que leva mulheres até então contidas a se comportar como se estivessem possuídas por demônios sexuais.
A mudança súbita no comportamento oferece a Stella Miranda e a Priscilla Marinho cenas individuais em que ambas atrizes exploram seu potencial burlesco com subversões realmente engraçadas.
A primeira faz um número que põe abaixo o aspecto arrumadinho dos programas de entrevista, enquanto a segunda tira máximo proveito de sua abundância física para demolir a crença de que magreza e beleza são sinônimos de poder de sedução.
A atração principal, no entanto, é mesmo Glória Pires, que compensa as piadas bobas, a parte romântica do enredo e os coadjuvantes mais-que-imperfeitos com um "timing" exato, um ritmo de falas e gestual indispensável para a comédia.
Graças a ela, "Linda de Morrer" fica um degrauzinho acima da média costumeiramente baixa que alcança o atual humor brasileiro. (
LINDA DE MORRER
DIREÇÃO Cris D'Amato
ELENCO Glória Pires, Susana Vieira, Antonia Morais e Emílio Dantas
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 10 anos
QUANDO estreia nesta quinta (20)
AVALIAÇÃO regular