Por petróleo, Argentina se abre a fratura hidráulica
País amplia concessões e passa a incentivar uso de técnica controversa
Nova lei é contestada por ambientalistas; exploração de petróleo em jazidas de xisto na Patagônia é promissora
Os governos de Néstor e Cristina Kirchner na Argentina entraram em embates com ruralistas, montadoras, mídia e bancos. Há um setor, porém, com o qual a Casa Rosada não briga e, nos últimos dois anos, se esforça para seduzir: o petroleiro.
O primeiro aceno veio da YPF, pivô de uma disputa internacional em 2012, quando o governo de Cristina, para nacionalizá-la, expropriou a fatia da empresa pertencente à espanhola Repsol.
Na nova fase, a petroleira estatal fechou acordo com a Chevron que inclui termos secretos e o investimento de US$ 1,6 bilhão pela empresa norte-americana.
Agora, com o país em crise, a lua de mel com as petroleiras se intensifica e pode deixar impactos duradouros.
No final de outubro, o Congresso argentino aprovou novas regras para a concessão de poços, visando tornar o país mais atraente para a extração de óleo e gás, especialmente para empresas estrangeiras como a Chevron.
Liberou a exploração das jazidas de xisto (onde estariam as maiores reservas recuperáveis do país, estimadas em 27 bilhões de barris) com concessões renováveis de 35 anos e desonerou maquinário para a tarefa.
As reservas argentinas mais abundantes, porém, precisam ser exploradas por meio do fraturamento hidráulico ("fracking"), técnica cara e criticada por causa de seu alto potencial de contaminação --e relacionada, em alguns estudos, com câncer.
Consiste em injetar água e produtos químicos a dois ou três quilômetros de profundidade, usando alta pressão para quebrar por dentro o folhelho de xisto (um tipo de rocha sedimentar) e, assim, liberar gás ou petróleo presos ali.
O petróleo fica disperso pelo xisto, que "tem muito óleo, mas não tem porosidade nem permeabilidade", explica Ernesto Gallegos, diretor de uma entidade que faz campanhas a favor das petroleiras.
PROMESSAS
O potencial de reservas assim na Argentina é promissor. A Província de Neuquén, na Patagônia, foi considerada o "provável melhor campo fora da América do Norte" pela consultoria Advanced Resources Internacional, que levantou dados para a agência de informação sobre energia do governo dos EUA.
É nos EUA onde a técnica é mais usada e também mais criticada, com a proibição em alguns Estados. Com o "fracking", porém, o país reduziu a importação de combustível e, estima-se, deve se tornar autossuficiente em 2020.
Na Argentina, a maior reserva é a de Vaca Muerta, em Neuquén. O local virou um campo de batalha entre o governo e ambientalistas, que travam ali "uma guerra de baixa intensidade", na descrição de Gallegos.
Ele integra a Fracking Argentina, organização que faz pressão a favor da técnica.
Afirma que a atividade precisa ser cuidadosa, pois há, sim, riscos reais. Mas diz que a possibilidade de contaminação não difere da exploração tradicional de petróleo.
O Greenpeace Argentina se opõe à exploração por meio de fraturamento hidráulico até que todos os impactos sejam completamente estudados, entendidos e regulados.
"Exigimos um esforço mais significativo para compreender totalmente os impactos do fraturamento hidráulico", afirma a entidade em nota.
Além de riscos como contaminação de lençóis freáticos, os críticos citam tremores de terra causados pelo impacto das rochas sendo arrebentadas e o escape de gás explosivo das reservas.
O senador e cineasta Fernando Solanas, próximo à brasileira Marina Silva, dirigiu no ano passado o filme "La Guerra del Fracking'", crítico à questão.
Seu assessor Fabián Lugarini reclama da falta de debate público sobre o tema.
"Fala-se que os [campos] não convencionais vão resolver o problema de abastecimento, mas há um potencial de energias renováveis subutilizado. Elas não são vistas como alternativas sérias."
Com a mudança na lei, os ambientalistas agora pretendem fazer pressão nas províncias e nos municípios pela proibição do fraturamento.
"Não estamos entrando em uma batalha para perder", diz o advogado ambientalista Enrique Viale, do grupo Argentina Sem Fracking.
Além dos riscos ambientais, a entidade diz que os índios mapuche, cujo território inclui Vaca Muerta, não foram ouvidos sobre o tema.
No mês passado, protestos dos mapuche bloquearam estradas de acesso até os campos de exploração.