Sites que vendem dados pessoais são investigados em SP e no RN
Empresas divulgam dados como histórico de ligações de celular e mensagens de WhatsApp
Professora de direito diz que dar acesso a informações sem consentimento do indivíduo é irregular
Com apenas seu e-mail ou número de telefone, qualquer um pode ter acesso a dados como o histórico de ligações no seu celular e suas mensagens de WhatsApp.
No site Cartório Virtual, que está sob investigação do Ministério Público de São Paulo, essas informações custam R$ 1.000 e R$ 4.000, respectivamente, segundo o promotor de Justiça Cassio Roberto Conserino, responsável pela acusação.
A página vende outros dados pessoais, como endereço residencial, nome de pessoas que vivem no mesmo apartamento, telefone de vizinhos, empresas nas quais já trabalhou e documentos.
Para o proprietário do site, o tabelião Marcelo Carvalho, não há nenhuma irregularidade no serviço. "Tenho contratos assinados e parcerias que me permitem fazer isso." Ele afirma ter autorização para fazer a quebra de sigilo.
Já Conserino argumenta que a página comete ilegalidades. "Esse tipo de informação só pode ser obtida com autorização judicial em investigações criminais", afirma o promotor, que diz ter entrado em contato com companhias telefônicas pedindo investigações internas. "Há chance de que existam infiltrados que vazam os dados."
Carvalho diz que não é obrigado a revelar suas fontes. "Não atuo de má-fé, se quisesse, já estaria milionário." Ele diz que, entre seus clientes, estão pessoas ameaçadas de morte ou maridos e mulheres desconfiados de seus cônjuges.
No entanto, o proprietário não se responsabiliza pelo que seus clientes fazem com os dados vendidos: "Se a pessoa contrata meu serviço, faço".
O proprietário diz que, desde que a investigação começou, a procura por seus serviços cresceu. "Só tenho a agradecer ao promotor", disse. Segundo ele, a página recebeu, em dois dias, o equivalente a cinco meses de solicitações e seu número de acessos subiu 20 vezes.
TUDO SOBRE VOCÊ
Outro site de venda de dados pessoais é alvo de investigação. A página Tudo sobre Todos disponibiliza data de nascimento, endereço e nome de parentes e vizinhos da pessoa buscada –para isso, basta digitar seu nome ou CPF.
Para acessar as informações detalhadas, é preciso comprar créditos no site, adquiridos por meio de bitcoins. No entanto, alguns dados pessoais estão disponíveis gratuitamente: a reportagem da Folha digitou seu CPF e o site mostrou num mapa uma área de cerca de um quilômetro quadrado ao redor de sua residência.
O procurador da República Kleber de Araújo, do Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte, já abriu uma ação pedindo a retirada do site do ar e uma investigação dos responsáveis.
Os proprietários do site Tudo Sobre Todos não quiseram comentar o assunto com a reportagem.
MARCO CIVIL
Para a especialista Mônica Rosina, professora de direito da FGV, o serviço traz violações éticas e jurídicas gra- ves. "Falta legislação no Brasil para proteger dados pessoais, mas já existem regras, como o Marco Civil da Internet", afirma.
De acordo com ela, mesmo que os dados sejam fornecidos a diversas empresas digitais, como aplicativos que utilizam a localização do usuário, isso não permite que as informações sejam usadas em qualquer contexto.
"Não é porque um aplicativo de táxi sabe onde moro ou porque uma rede social tem meu número de celular que esse dado é público. O usuário não deu consentimento para que ele seja usado", diz Rosina.
Outro problema, segundo a professora, é o fato de alguns desses sites estarem sediados fora do Brasil, como é o caso do Tudo sobre Todos, cujo endereço está localizado na República das Seicheles, no oceano Índico. "Assim fica difícil enquadrá-los na legislação brasileira e punir esses abusos", afirma.