Entrevista Luiz carlos Trabuco
Vamos ter que consertar este avião em pleno voo
Eecutivo vê economia fraca até meados de 2016, antes de retomada do crescimento vir, por meio da infraestrutura
O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, acha que o processo de fusões e aquisições de bancos no Brasil foi concluído depois que ele comprou a operação brasileira do HSBC, por cerca de R$ 18 bilhões. "Ficaram os mais aptos."
Nesta entrevista à Folha, Trabuco fala sobre a operação e os efeitos da crise política na economia.
Folha - Nesta semana o sr. apareceu na mídia pela compra do HSBC. Já pensou que poderia estar nas manchetes todos os dias, só que como ministro da Fazenda, e sendo criticado?
Luiz Carlos Trabuco - Houve esse momento pós-eleições, mas, desde que isso começou a ser ventilado, sempre tive uma convicção. Estou na empresa há 47 anos e tenho responsabilidades com essa organização. Aqui é meu lugar para ajudar o país.
Se fosse hoje, com essa confusão toda, o sr. indicaria o Joaquim Levy para a Fazenda?
Não tem essa questão de indicação. Não houve isso. O Levy é um homem de Estado, que tem uma formação irretocável. Ele tem objetivos cívicos, patrióticos, de dar sustentabilidade ao país.
A presidente Dilma tem o menor índice de popularidade, o presidente da Câmara rompeu com o governo e o vice-presidente Michel Temer diz que a situação é grave e pode piorar. O que está ocorrendo?
Há uma crise grave, séria. Vamos ter de consertar este avião em pleno voo, não dá para esperar a aterrissagem. Políticas monetária e fiscal austeras apenas não bastam.
A crise política é mais forte que a própria crise econômica. Isso abala a confiança e retarda a retomada. Todos os participantes desse processo –políticos, Executivo, autoridades– têm de pensar grande. Precisamos ter a grandeza de buscar a convergência.
O Congresso tem contribuído para buscar soluções ou apenas tumultua o ambiente e cria desgastes para o governo?
Eu tenho dificuldades, até pelo meu escopo de trabalho, de opinar sobre determinadas atitudes do momento. Mas precisamos sair desse ciclo do quanto pior, melhor. Melhor para quem? Para o Brasil, não é. As pessoas precisam ter a grandeza de separar o ego pessoal do que é o melhor para o país.
Quando o país sai da recessão?
Não fomos capazes de antever o que aconteceria após a redução no preço das commodities que o Brasil exporta, que trouxe perdas para a renda nacional. E acreditamos em coisas que não deram certo, como segurar os preços administrados. Quando 2015 chegou, era inevitável ter inflação acima de 9%.
Mas essa é uma inflação corretiva, que está equacionando uma diferença de preços e tem prazo para acabar. A política monetária foi executada. Nós trabalhamos com um PIB extremamente modesto, fraco até junho do ano que vem. Depois tem a retomada. Mas essa retomada será puxada pelos investimentos em infraestrutura.
O ex-ministro Delfim Netto escreveu que o Brasil corre um risco de excesso de liquidez, em que o consumidor não compra, as empresas não investem e os bancos não dão crédito. O sr. vê esse risco?
O professor Delfim tem razão, mas tudo vai depender do nosso talento de fazer a liquidez internacional trabalhar a nosso favor. O dinheiro precisa de rentabilidade. Precisamos reduzir o nível de preconceito, de questões ideológicas, temos de aumentar os acordos comerciais.
Ideologia e preconceitos?
A ideologia e o preconceito atrapalham porque, quando a realidade não bate com as suas ideias, em vez de mudá-las você tenta mudar a realidade. Isso não se sustenta.
Os críticos do governo dizem que foi isso que a presidente Dilma fez no primeiro mandato. O sr. acha que a mudança de rumo na economia neste ano foi feita com convicção?
Eu acredito nisso. Vejo convicção no tratamento dos preços e na busca pelo equilíbrio fiscal. Nas concessões, a direção a partir deste ano é totalmente diferente.
O Bradesco, que é conhecido como um banco popular, passa a ser o maior do país em clientes de alta renda com a compra o HSBC. Isso não pode descaracterizar a instituição?
A segmentação de clientes existe para reconhecer pela renda a evolução social que o Brasil teve e vai continuar a ter. Se desprezássemos a base da pirâmide, perderíamos nosso projeto histórico, que acredita na mobilidade social. Queremos ser eficientes para todos os clientes.
Essa elite que vem com o HSBC vai sofrer assédio dos concorrentes. Como mantê-los?
Antes de as autoridades aprovarem a transação, a gestão do banco será feita pela equipe do HSBC. Queremos desenvolver neles a capacidade de retenção de clientes. Eles querem fazer carreira no banco.
O cliente antigo do Bradesco não pode ficar com ciúmes dos benefícios dos novos?
Nosso desafio é oferecer aos nossos clientes aquilo que o cliente do HSBC já tinha. E vice-versa.
Há bancos para comprar?
O desenho do sistema bancário brasileiro foi feito por seleção natural. Foi darwiniano.
É por isso que o HSBC tinha um valor de escassez [era o último grande banco disponível para compra].
O sr. disse em entrevistas que não vai cortar funcionários do HSBC. Mas isso não é o que os bancos costumam fazer quando compram outros...
Racionalizar custos não se resume a cortar funcionários. Somos cinco vezes maiores que eles, podemos incorporar o pessoal do HSBC nos serviços que hoje terceirizamos. Dá para dar empregos suficientes e fazer uma incorporação respeitosa com os funcionários. Vamos ganhar escala com a renegociação de contratos –alguns muito significativos, como transporte de numerário ou vigilantes.
Nosso maior entusiasmo no ganho de sinergia é também no aumento de receitas. No caso da clientela do HSBC, temos um oceano azul para ser feito com produtos de seguros, previdência, consórcio e cartão de crédito.
Pelo estatuto do banco, o sr. deve se aposentar dentro de dois anos. Já sabe o que vai fazer quando chegar a hora?
Essa reflexão está no meu calendário. Terei completado 49 anos de atividade bancária, mas sempre terei a oportunidade de contribuir com a organização. O talento dos administradores é dar a suas empresas uma longevidade maior do que as suas próprias para que elas não se esgotem no tempo. Esses limites de idade que o mundo corporativo acabou estabelecendo é uma exigência para oxigenar e desenvolver talentos.
O presidente do Bradesco consegue ter vida pessoal?
É um cargo que me exige 24 horas sete dias por semana. As responsabilidades são grandes e as pessoas precisam encontrar suas formas de sair do estresse.
E como o sr. faz isso? Aqui no banco dizem que o sr. virou fã das séries de TV...
Sempre gostei muito de cinema. O cinema, a biblioteca e a leitura dos jornais ajudaram na minha formação lá em Marília (SP) e mudaram minha vida. Vejo isso quando comparo com meus colegas, meus irmãos, parentes.
A descoberta do Netflix foi fabulosa. Hoje ele sabe tanto dos meus hábitos que vive me dando sugestões de séries. E tem umas formidáveis. "Breaking Bad" é apaixonante. Atualmente estou vendo a primeira temporada do "Downton Abbey". Tem umas série geniais.
"Game of Thrones" está no período de vazante, mas estou ansioso para que volte com os novos episódios.