Entrevista - Magdy Martínez-Solimán
Ebola reverteu crescimento de países africanos afetados
Responsável na ONU pelo combate à epidemia diz que vírus barrou desenvolvimento em Guiné, Libéria e Serra Leoa
Quase um ano após o início do maior surto de ebola da história, que já matou mais de 5.600 pessoas no oeste da África, o desafio médico de brecar a epidemia junta-se à necessidade urgente de contornar os sérios problemas socioeconômicos causados pela crise.
A afirmação é do espanhol Magdy Martínez-Solimán, secretário-geral assistente da ONU (Organização das Nações Unidas) e um dos principais envolvidos no esforço da organização para ajudar os governos de Guiné, Libéria e Serra Leoa a lidar com a situação.
Há três semanas ele esteve no epicentro da epidemia.
Em Brasília para um seminário sobre combate à pobreza na semana passada, ele falou à Folha também sobre o Bolsa Família. Leia os principais trechos da entrevista.
Situação atual
Nós achávamos que a crise estava controlada em maio, depois que estivesse controlada em agosto. É muito perigoso entrar numa zona de conforto. O ebola é um perigo claro e imediato. Há uma tendência de desaceleração. Mas, ao mesmo tempo, houve um novo surto no Mali. Não é a hora de baixar a guarda.
Desafios
Primeiro, reforçar a saúde pública com testes mais rápidos de laboratórios. Segundo, a recuperação econômica dos países. Senão, toda uma geração perderá os ganhos obtidos pela recente melhora em desenvolvimento. Esses três países experimentavam grande crescimento econômico [antes dos surtos]. Tudo foi perdido.
Suas economias foram de crescimento para estagnação e podem agora entrar em recessão. O preço dos combustíveis subiu, não se podia exportar nada, o preço do arroz subiu, as pessoas tiveram que começar a gastar tudo que ganhavam em alimentos básicos. Elas perderam seus empregos, no setor hoteleiro e em fazendas que eram baseadas em exportações.
Erros e soluções
Fechar as fronteiras gerou um isolamento não do vírus, mas dos países. E isso criou danos extremos para a economia e, portanto, para os mais pobres.
Precisamos trazer de volta a confiança e normalidade. Não há risco nenhum em fazer negócio com esses países. Executivos de multinacionais e funcionários estrangeiros precisam voltar aos países.
A economia foi restringida, e precisamos reabri-la. Esses países precisam de ajuda.
Resposta local
Os governantes africanos são tão inteligentes e bem educados quanto quaisquer outros políticos.
Na média, até mais bem educados, pois frequentam as universidades de elite do mundo rico.
É certo que eles têm menos capacidade [de reação]. As pessoas estudam medicina, mas quando se formam, recebem uma oferta para trabalhar nos EUA ou Inglaterra, onde ganham 70 vezes mais. O sistema de saúde era muito frágil e colapsou.
Resposta internacional
Ela foi lenta, mas depois muito forte. Nós tínhamos vencido outro surto de ebola usando meios convencionais e achávamos que conseguiríamos conter o ebola facilmente. Mas logo ficou claro que os meios convencionais não funcionariam. Então, a comunidade internacional juntou-se e os líderes decidiram usar força total.
Lição
A lição é que questões globais de saúde são essenciais para o desenvolvimento de qualquer nação. Elas eram vistas como uma parte isolada, os pontos não estavam conectados. E nós vimos essa crise de saúde se tornar uma crise social e econômica.
Bolsa Família
O Brasil é considerado uma das mais importantes experiências na redução da desigualdade e erradicação da pobreza [no mundo].
Se você perguntar aos chineses, sul-africanos, se perguntar aos asiáticos e indianos qual programa de renda eles consideram ter alcançado o sucesso máximo, [eles dirão] que é o Bolsa Família.
E não é uma política cara. [Mas deve] haver uma ajuda persistente ao povo.
Segundo, é preciso existir degraus para galgar os escalões sociais. Terceiro, você precisa ter investimentos maciços em educação.