Leonardo Padura
Os cubanos e seus fantasmas
Vimos tantos amigos partir que nosso bairro, nossa cidade, nosso país se foram enchendo de ausências
Os cubanos nos acostumamos a viver entre fantasmas. Ao longo dos anos de nossas vidas, vimos tantos amigos partirem para tantos lugares do mundo que nosso bairro, nossa cidade, nosso país se foram enchendo de ausências pelas quais, nas recordações do passado e nas ações do presente, costumam transitar as silhuetas difusas dos que partiram, quase sempre para não voltar.
Madri (Espanha) foi por muitos anos um lugar de acolhida desses emigrantes, e, graças ao meu trabalho, que me permite passar pela capital espanhola duas ou três vezes por ano, pude recuperar a relação interrompida com várias dessas pessoas com as quais tinha compartilhado na ilha alguns momentos de minha vida, desde a infância até a maturidade dos anos 1990, quando tantas delas partiram, assustadas com a asfixia econômica que se vivia no país.
O contato periódico mantido na Espanha com esses velhos companheiros serviu não apenas para alimentar os afetos como também se converteu em matéria sobre a qual escrevi literatura e cinema, pois o tema e as consequências do exílio --para os que se vão e para os que ficam-- foi por anos uma das obsessões das quais tenho procurado me libertar através da escrita.
Eu o fiz há anos em meu livro intitulado "O Romance da Minha Vida", e a experiência mais recente foi escrever o roteiro para um filme de ficção, "Retorno a Ítaca", dirigido pelo grande cineasta francês Laurent Cantet e dedicado à história de um grupo de amigos que, em Havana, recebe um colega exilado em Madri por 16 anos e que, angustiado pela distância... lhes anuncia que voltou para ficar em Cuba.
Em sua casa.
Mas, nos últimos anos, a Madri "cubana" em que eu costumava me envolver em cada estadia na Espanha também foi se povoando de fantasmas.
Os duros anos da crise econômica europeia, especialmente difíceis na Espanha e muito agressivos para os equilíbrios sempre instáveis dos emigrantes, obrigaram muitos desses amigos a arrastar suas malas a outras partes, em busca da subsistência: um anda por Las Vegas, outro por Houston e vários foram parar em Miami, todas cidades norte-americanas.
Há duas semanas, durante a apresentação em uma livraria madrilenha de minha nova coletânea de relatos, tive a alarmante revelação de tantas ausências quando, no público que me ouvia, senti a falta física de meus fiéis amigos do passado, recuperados e agora novamente perdidos no grande mundo.
E tive a sensação de que Madri também se povoava de fantasmas, como se essa dissolução, a diáspora, o estado de nomadismo permanente fosse uma maldição que persegue a nós, cubanos, e que, lá ou aqui, nos obriga a viver amarrados a nossas saudades, arrastando uma mala cheia de recordações por um mundo povoado de mais e mais fantasmas.
Umas silhuetas cada vez mais tênues que nunca sabemos se chegarão a algum destino, se algum dia voltarão a converter-se em seres materiais em quem poderemos dar um beijo e um abraço.