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Reclassificação sensata
Apesar do alvoroço e das disputas em torno do canabidiol (CBD), a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária de reclassificar a substância --que deixou de ser considerada proibida para ser enquadrada como controlada-- no fundo apenas desfaz um equívoco.
O composto vem sendo usado com sucesso nos EUA e em vários países da Europa contra epilepsias refratárias a qualquer tratamento. São promissores, além disso, os resultados de estudos recentes sobre seu potencial terapêutico diante de doenças como alzheimer, esquizofrenia e transtornos de ansiedade.
Como se suas propriedades intrínsecas fossem questão de somenos, entretanto, o CBD era proscrito no Brasil por ser um dos 80 princípios ativos da maconha.
O disparate foi exposto pelo próprio diretor-presidente da Anvisa, Jaime Oliveira, após a decisão: "A pergunta não é por que reclassificar, mas por que manter em uma lista de substâncias entorpecentes e psicotrópicas um produto que não tem essa propriedade".
A decisão transparece bom senso, mas a mudança de status deve-se à pressão de um movimento organizado por pessoas cujos filhos padecem de crises recorrentes de convulsão, aplacadas em sua quase totalidade com o uso da substância.
Desde 2014, a agência federal autorizou 336 pedidos de importação do produto, que não é fabricado no Brasil. Em dezembro, o Conselho Federal de Medicina já havia autorizado a sua prescrição.
Num primeiro momento, contudo, nada deve mudar na rotina dessas famílias, já que a exigência de uma autorização especial para a compra do CBD prossegue. De acordo com a Anvisa, uma nova resolução, a ser publicada em breve, deve facilitar a importação.
A reclassificação do canabidiol também traz alívio a cientistas brasileiros que estudam o composto. "Vamos passar a trabalhar com uma substância que não é ilegal", declarou o psiquiatra José Alexandre Crippa, da USP de Ribeirão Preto, que há 18 anos pesquisa os efeitos terapêuticos do CBD.
A decisão da Anvisa, assim, surge como um importante avanço num debate marcado por ideologias e preconceitos.
Outros passos ainda serão dados, sem dúvida. Vêm-se acumulando nas últimas décadas evidências sobre diversos benefícios da Cannabis sativa no tratamento de doenças e na redução de efeitos colaterais decorrentes de remédios para o câncer. Tais resultados contam como um argumento a mais para a legalização da planta.