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Voto cego
Retorna ao debate no Senado a proposta de proibir a divulgação de pesquisas às vésperas das eleições, medida que desrespeita o cidadão
O fenômeno parece ser invariável, como os fogos de artifício no Réveillon ou os tumultos na apuração das notas de escola de samba. Pela enésima vez, o Legislativo discute a possibilidade de vetar a divulgação de pesquisas eleitorais às vésperas do pleito.
Não fosse tão grave o assunto, seria possível dizer, com ironia, que ao menos desta vez os senadores acrescentaram à velha tentativa uma estratégia nova: proibir que veículos de imprensa contratem institutos que tenham prestado serviços a partidos ou órgãos públicos até um ano antes das eleições.
Trata-se apenas de outra forma de buscar o mesmo fim. Pretende-se suspender ou apequenar um direito básico dos cidadãos –o do livre acesso à informação– em nome de temores, preconceitos e conveniências de políticos profissionais.
Atribui-se ao brasileiro o hábito de dar preferência ao candidato situado à frente nos levantamentos, renunciando a suas reais inclinações em benefício de quem lhe parecer mais próximo da vitória.
Ainda que isso possa ocorrer, a proposta de censurar as pesquisas se fundamenta num princípio equivocado e antidemocrático: o de que é melhor o voto de um cidadão desinformado do que o de um com acesso ao maior número de dados disponíveis sobre a disputa.
Valesse esse raciocínio, também poderiam os parlamentares propor que fosse suspensa a circulação de jornais, a exibição de noticiários televisivos e até a troca de ideias na internet. Tudo poderia distorcer a vontade pura do eleitor.
Claro está que controlar a tal ponto as informações e opiniões em curso seria impossível. Feito isso, nada restaria das característica democráticas de que a disputa pudesse se revestir.
A censura às pesquisas seria, ademais, discriminatória. Enquanto um pequeno grupo de políticos, publicitários e formadores de opinião poderia acompanhar os levantamentos dos institutos de sua preferência, a maioria do eleitorado ficaria às cegas sobre as tendências.
Os tribunais eleitorais exercem, de sua parte, uma vigilância sobre pesquisas inidôneas, enfrentando os riscos de manipulação –e o próprio mercado há de selecionar os institutos mais competentes, ciente de que os levantamentos não se confundem com profecias.
Seja como for, nem é certo que o cidadão siga as pesquisas para votar no primeiro colocado. Pode-se considerar que, dada a vitória certa de um candidato que não nos desagrada nem encanta, seja melhor apoiar alguém de perfil mais cortante e definido. Pode-se apostar numa mobilização em favor de segundo colocado, para inverter os resultados à última hora.
Pode-se, por fim, não acreditar nas pesquisas. A julgar pelas tendências do Senado –onde encontram simpatias os agora variados artifícios destinados a restringir ou proibir a circulação de levantamentos de opinião–, muitos parlamentares preferem não acreditar na liberdade do eleitor.