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Resta o espanto
A Justiça da Alemanha realizou nesta semana o que pode ter sido o último julgamento de um colaborador do regime nazista. O contador Oskar Gröning, hoje com 94 anos, foi condenado à prisão por cumplicidade na morte de judeus nos campos de extermínio de Auschwitz, nos quais mais de um milhão de pessoas perderam a vida.
Setenta anos após as tropas soviéticas terem derrubado o maior símbolo do Holocausto, um capítulo da história humana escrito com sangue e horror começa a se encerrar, ao menos diante dos tribunais.
Permanecerão abertas, contudo, as seções nas quais se esboçam respostas para uma questão das mais inquietantes: como foi possível que a civilização ocidental, que se erigia em modelo para as demais populações, abrigasse tamanha atrocidade?
Após a Segunda Guerra Mundial, o filósofo alemão Theodor Adorno observou que, paradoxalmente, a própria civilização engendrou seus coveiros. Quem visitou Auschwitz, no sul da Polônia, pôde notar que os pavilhões dos prisioneiros formavam um conjunto harmonioso: austero, simétrico, funcional –uma manifestação da razão.
Obviamente, uma manifestação mesquinha, fúnebre, cruel; sem que se questionassem os objetivos, construíram-se os meios mais adequados para atingi-los.
Também figuras subalternas no esquema nazista, disciplinadas e eficientes, cumpriram sem contestar as ordens recebidas. Este é precisamente o caso de Oskar Gröning. Guardava as malas dos prisioneiros recém-chegados, contava o dinheiro apreendido nas bagagens e o remetia para Berlim.
Obediência, naturalmente, não implica inocência, e o próprio contador hoje reconhece que compartilha uma culpa moral. Para a Justiça alemã, trata-se de mais do que isso; Gröning foi considerado cúmplice do assassinato de 300 mil judeus.
"Eu vi as câmaras de gás. Vi o crematório. Vi os tiroteios. Eu estava nas rampas quando as escolhas [dos que iriam para as câmaras] aconteceram", disse.
Testemunhos dessa natureza se cristalizam, inertes, como imagens, palavras, monumentos. Os responsáveis pelo genocídio aos poucos desaparecem, quase todos julgados ou mortos. Nos tribunais, fecham-se essas páginas –mas sempre restará o espanto.