Caras da avenida
Do Grajaú ao Morumbi, dos Jardins a Ermelino Matarazzo, crianças, casais e avós transformam o protesto paulistano em ato heterogêneo
Cabelos grisalhos, espetados com gel, crianças nos ombros, casais (héteros e gays), grupos de amigos e solitários. Muitos deles de cervejinha na mão. Apesar da camisa da seleção ser unanimidade entre os manifestantes, o público que tomou conta da avenida Paulista neste domingo (15) era bem heterogêneo e predominantemente familiar.
No protesto, misturavam-se moradores de áreas nobres e de bairros da periferia.
O clima era diferente do que se via nas manifestações de junho de 2013, dominadas por jovens e embates com a polícia. Neste 15 de março, turmas tiravam "selfies" com a Tropa de Choque e policiais atraíam admiradores.
Alguns grupos tentaram imitar o jogral do Movimento Passe Livre, em que um líder fala uma palavra depois repetida pela multidão. "Não aguentamos mais esse governo, não queremos corrupção", dizia o líder do Vem Pra Rua, Rogério Chequer, antes de voltar para os megafones no carro de som. Do caminhão do Movimento Endireita Brasil vinha em alto volume música alta como "Filha da Puta", do Ultraje a Rigor.
"Em junho de 2013, as pessoas queriam mudança. Agora, elas estão revoltadas. Quem só queria os 20 centavos não está aqui. Só veio quem quer mais", disse o economista Joel Pinheiro da Fonseca, filho do também economista Eduardo Giannetti.
A psiquiatra Andrea Bernardes, 40, que foi com o marido, Eudes Gondim, 43, e os dois filhos, de oito e dez anos, contou que a filha estava com medo de ir e perguntou: "Será que quem votou na Dilma vai atirar na gente, mãe?'".
Para ela, era importante ir à Paulista com a família toda, apesar de ser contrária ao impeachment e à intervenção militar. "Não adianta ficar reclamando sentada no sofá."
A aposentada Marcia Ardito, 65, levou duas filhas, quatro netos, o marido e os sogros. Operou o pé e estava em cadeira de rodas. "Tinha uma subida complicada para chegar aqui, mas valeu a pena."
O casal Rafael Rodrigues, 38, e Leandro Baroni, 28, não teme que, em caso de impeachment, assuma alguém mais conservador, como o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), da bancada evangélica. "Com o PT tivemos corrupção e a comissão de direitos humanos foi tomada por evangélicos", diz Baroni.
Na rua Pamplona, duas senhoras pediam a volta dos militares: "Na época deles era tudo muito melhor". Maria Isabel Fleury, 83, viúva de Sérgio Paranhos Fleury, delegado que ganhou fama como torturador da ditadura. "Espero que a essa altura a Dilma já tenha renunciado."
Perto dali, no caminhão do Vem pra Rua, o ator Malvino Salvador, 39, cantava "Pula aê quem não quer mais o PT".
TODAS AS CLASSES
Petista "desde que foi gerada", a auxiliar de escritório Thaís Silveira, 31, moradora do Grajaú (zona sul), foi ao protesto por "se sentir traída pela presidente".
Eleitora de Dilma, deixou em casa a camiseta vermelha e o broche do PT, que compõem seu uniforme de manifestação. Preferiu vestir branco para não ser hostilizada.
"Acabaram com a Petrobras, a inflação está nas alturas. Só o fato de ser contra o que a presidente está fazendo justifica minha presença."
Segundo ela, o PT, porém, "ainda é o partido que mais faz pela minha classe social, pelos pobres". Thaís cursa faculdade de serviço social graças ao Prouni, programa do governo que concede bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior.
Para ela, faltou gente da periferia. "Não estou vendo ninguém que vive do outro lado da ponte", disse, se referindo à ponte do Socorro que, em sua opinião, é símbolo da divisão social de São Paulo.
A cerca de 100 metros dali, o ex-lulista João Nascimento Filho, 51, baiano de Itabuna, estava acompanhado de um grupo de amigos, todos moradores de Ermelino Matarazzo, zona leste da capital. "Sou contra pedir impeachment. Sai a Dilma e entra o Temer. Gente, menos, né?"
Contou estar na rua para manifestar preocupação em torno das incertezas que rondam o cenário econômico.
"Antes da Dilma, eu tinha muito trabalho. Durante o governo Lula, a vida da minha família melhorou. Comprei minha casa, a geladeira vivia lotada. Agora, não. Tenho três filhos para cuidar", afirmou ele, que é pintor.
A uma quadra da avenida, a advogada Betina Franco, 51, aguardava uma mesa no restaurante Spot após protestar por três horas. "Tira foto aqui da elite branca", brincava. "Não vim pedir impeachment, vim protestar contra a corrupção", disse.
A seu lado, o empresário Nilton Sevciuc, 56, também ironizava quem dizia que a manifestação era apenas de classe média alta. "A elite não tem direito de bater agogô contra governo e a corrupção? Pagamos impostos, estamos insatisfeitos vendo o país ir pro buraco."
Para a médica alagoana Patricia Gaiotto, 45, cujo grupo pedia a mudança do sistema eleitoral para o voto distrital, o PT é quem tenta criar um falso embate entre classes sociais. "Isso não existe. Somos brasileiros. Queremos um país melhor."
Cecília Martins, 38, casada com um empresário, conta que amigos "estão quebrando" e que a empresa de seu marido fará cortes por causa do ajuste fiscal. "Se fosse alienada estaria em Trancoso, ou na minha casa de praia", disse. A moradora do Morumbi saiu à rua para pedir um futuro melhor para o Brasil e os filhos. "Eles estudam em escola americana e pretendem ir para os EUA. Quero que fiquem e se orgulhem do país."