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Delegado Espinosa firma-se como um dos poucos heróis da literatura policial brasileira
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MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO
Se um dia o delegado Espinosa resolvesse convidar outros heróis da nossa literatura policial para um café, poderia acomodá-los até mesmo em seu pequeno gabinete na 12ª DP, no Rio.
Estariam lá o advogado criminalista Mandrake (de Rubem Fonseca), o investigador Venício (de Joaquim Nogueira), o detetive particular Bellini (de Tony Bellotto) e o veterano delegado Leite (de Luiz Lopes Coelho). Sem esquecer do atrapalhado e pobretão Ed Mort (de Luis Fernando Verissimo), que possivelmente pediria ao anfitrião uns trocados para o ônibus.
Com alguma possível ausência, esses são os personagens que vêm desvendando os mistérios de alguns dos melhores livros policiais de autores brasileiros.
Há um enigma, contudo, que talvez até eles próprios tivessem dificuldade em elucidar: por que o Brasil, tão rico em crimes na realidade e na ficção, produziu tão poucos detetives protagonistas de séries de histórias?
Nessa seara, o delegado Espinosa, criado em 1996 pelo escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza, é o mais ativo policial da literatura nacional. "Fantasma" é o nono romance com o personagem.
Com nome de filósofo, honesto, culto, discreto, funcionário público aplicado e pouco afeito à violência, ele é bastante diverso da imagem clichê de um policial, seja na vida real ou nos livros.
Para Garcia-Roza, essa é uma das dificuldades de todo escritor brasileiro que se se dedica ao gênero.
"Depois que vivemos uma ditadura militar, o policial ficou como uma figura maldita, marginalizada. O investigador privado também não foi absorvido pela cultura brasileira. É figura um pouco falha, me parece estranha por ser artificial", pondera.
Marcos Michael/Folhapress | ||
O escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza em seu apartamento no Rio |
CAOS E ORDEM
C. Auguste Dupin foi o primeiro detetive moderno da literatura. Criado por Edgar Allan Poe em 1841, ele dispunha de um incrível poder de dedução para desvendar os mais estranhos casos.
Modelo para todos os detetives que surgiram depois, Dupin definiu como padrão do gênero o uso da racionalidade para ordenar o caos e estabelecer a paz.
No Brasil, nossa estreia foi bem diferente. Em "O Mistério" (1920), considerado o primeiro romance policial brasileiro, o investigador se atrapalha com os métodos de investigação e o assassino acaba impune no final.
Sandra Reimão, autora do livro "Literatura Policial Brasileira", conta que dois argumentos costumam ser utilizados para explicar as dificuldades de expansão das histórias de detetive por aqui.
O primeiro seria a falta de recursos de investigação e registro de ocorrências nas instituições do país.
O segundo, a própria truculência da polícia. "Como disse [o crítico literário] Wilson Martins, o que aconteceria depois de um crime seria a polícia prender todos os suspeitos e o romance acabaria na terceira página", diz.
Lyslei Nascimento, professora da UFMG que desenvolve pesquisas na área, aponta um problema semelhante.
"Na Inglaterra, há um crime e o policial restabelece a ordem. No Brasil, a ordem não é bem definida, as instituições se misturam ao crime. O modelo do detetive clássico é impossível por aqui."
ILEGALIDADE OU HUMOR
Uma estratégia possível, aponta, seria recorrer a personagens com um pé na ilegalidade (Mandrake) ou os dois no humor (Ed Mort).
"Pai" do destrambelhado detetive, Luis Fernando Verissimo também acredita que o "detetive não funcionaria por aqui". "Se não for uma coisa paródica, como o Ed Mort, soa falso, parece coisa de americano."
Dar "cor local" a seu policial não foi uma preocupação para o titã Tony Bellotto, outro cultor do gênero. Ele reconhece que ser um detetive particular, como o seu personagem Bellini, não é muito crível no Brasil.
"Sempre fica meio forçado esse negócio de detetive. Seria muito improvável a existência de um Bellini dentro da 'realidade brasileira'. Ele vive no universo da literatura, não na vida real."
Por via das dúvidas, Marçal Aquino, também autor de tramas de crimes, resolveu não adotar o "herói detetive" em seus livros, mesmo sendo fã deles como leitor.
"Nossa história criminal é tão rica que seria limitador ficar preso à figura do detetive, obedecer a um padrão fixo. Aqui o detetive clássico não pegou. O crime venceu até na literatura", brinca.
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