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Análise: Modernidade narrativa de Dias Gomes faz falta hoje
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LUIZ FERNANDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Para cada autor, um vocabulário, um método. Ai daquele que não se entregar a este diálogo. Em meados dos anos 1990 fui convidado pela TV Globo para dirigir os primeiros episódios do remake de "Irmãos Coragem", escrito por Janete Clair.
Dias Gomes ganha livro, relançamentos e homenagem por 90 anos
Quem supervisionava a atualização do folhetim era o Dias, a quem eu ouvia atentamente, mas que, na minha euforia de diretor menino, acreditava que não deveria seguir a ferro e fogo.
Me estrepei [claro!], apesar de considerar restarem algumas cenas vivas aos olhos de hoje, mas é evidente, para quem assistiu ao remake, que o resultado não era nem Janete nem Dias e, muito menos, a mistura dos dois.
Me restou a lição: para cada autor, um método! Havia um método Dias Gomes. Só aprendi isso depois do tombo.
Se tivesse de eleger uma qualidade do autor de "O Pagador de Promessas", seria a de conseguir retratar de forma irretocável a representação da imperfeita sociedade brasileira.
Nenhum estudo sócio-antropológico conseguiu, nas últimas décadas, nos ofertar rostos tão precisos destas figuras, facilmente reconhecíveis em nossas esquinas.
Misto de livre pensador e atleta, fez do drible à censura seu esporte predileto, revestindo de humor e sarcasmo o que queria dizer, mantendo-se senhor de uma modernidade narrativa que faz falta.
Deu vida a personagens impagáveis como os cínicos políticos que se perpetuam no poder com seu palavrório adornado por cabeleiras pintadas e discursos rasteiros.
E seguiu saramandaiando com personagens que pegam fogo quando pensam em sexo ou literalmente alçam voo quando não têm mais nada que os prendam à Terra.
Ao receber a alcunha de "realista-fantástico", respondeu com a entrada da realidade nas telenovelas, retratando a luta sangrenta pelo poder dos bicheiros do subúrbio do Rio de Janeiro.
Escreveu também uma fábula social: Era uma vez um camponês ingênuo e pio que cometeu o erro de achar que, ao tentar pagar uma promessa, não estaria mexendo com os alicerces da Igreja, que ele acreditava estar ali para ampará-lo.
É a nossa fábula trágica: acreditar sempre! Nos vemos em cada um destes personagens, na crueza poética de suas ações e comportamentos que hoje, em meio ao politicamente correto, talvez não seja mais tão possível retratar. Saudade daquele Dias.
LUIZ FERNANDO CARVALHO é diretor de cinema e TV. Dirigiu, entre outros, "Lavoura Arcaica", "Os Maias" e "Capitu"
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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