'Altered Carbon' imagina humanidade sem limites

Série fala de futuro em que corpos são invólucros para memórias que podem ser transferidas

RODRIGO SALEM
Vancouver (Canadá)

​A busca pelo desconhecido é um dos propulsores da ficção científica. Em "Jornada nas Estrelas", o espaço distante é a próxima fronteira. Em "Blade  Runner", é o próprio conceito de humanidade.

Joel Kinnaman em cena de "Altered Carbon", da Netflix
Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman) é um ex-rebelde de elite que tem as memórias transferidas para outra ‘capa’ após 250 anos numa prisão digital - Katie Yu / Divulgação

Já em "Altered Carbon", nova série da Netflix, a exploração surge da questão: quais seriam as implicações sociais caso nossos corpos não passassem de invólucros para memórias que podem ser eternamente transferidas?

Não é um tema fácil, assim como a trajetória do projeto.

Os planos para adaptar "Carbono Alterado", livro de 2002 do inglês Richard Morgan (lançado no ano passado no Brasil), já existiam desde 2006, quando o produtor Joel Silver ("Matrix") comprou os direitos para lançar um filme adolescente pela Warner. O estúdio não foi em frente com o projeto, e os direitos retornaram para o autor.

"O material original não foi feito para uma censura baixa", afirma à Folha a roteirista e produtora Laeta Kalogridis ("Ilha do Medo"), que, em 2012, decidiu ligar para Morgan em busca dos direitos.

"Falei que levaria um bocado de tempo, que seria difícil e precisaria condensar tais partes, mas que manteria os aspectos adultos do texto. Ele me ligou no dia seguinte dizendo que me passaria os direitos exatamente porque fui honesta."

Ela passou anos tentando vender seus tratamentos do roteiro para Hollywood, mas esbarrou nas dificuldades de ter uma ficção científica com toneladas de violência, temas existencialistas e muito sexo.

A Netflix topou o desafio, com Kalogridis no comando criativo e investiu pesado: alugou um dos maiores estúdios de Vancouver, no Canadá, e desembolsou cerca de US$ 7 milhões por capítulo, contratando Miguel Sapochnik, um dos principais diretores de "Game of Thrones", para o episódio-piloto.

A trama se passa em um futuro no qual a barreira da mortalidade foi eliminada com a transferência dos dados mentais ("cartuchos") para "capas", corpos aleatórios (para a população que não pode pagar) ou escolhidos a dedo (os mais ricos).

"Meus três primeiros dias de filmagens foram sem roupa. Acho que foi por isso que me pagaram bem", brinca Joel Kinnaman (o RoboCop de 2014), que faz o papel de Takeshi Kovacs, ex-membro da força rebelde de elite de um planeta colonizado por japoneses e eslavos.

Kovacs tem as memórias transferidas para uma nova capa após passar 250 anos numa prisão digital. Ele acorda na San Francisco do século 25 a pedido de Laurens Bancroft (James Purefoy), um ricaço com mais de 300 anos que teria se matado (ou sido assassinado) dias antes. Ele contrata o ex-militar para encontrar o suposto assassino.

A investigação serve para o roteiro discutir imortalidade, o aumento no abismo entre classes e religião --os católicos não aceitam a transferência digital.

"Falamos sobre a ideia da pós-humanidade, o que nos tornaremos quando ultrapassarmos certas fronteiras tecnológicas", explica Kalogridis. "Imagine Donald Trump vivendo 300 anos", provoca Kinnaman. "Que nível de corrupção acompanha alguém que não segue o ciclo normal de vida e morte?", complementa Purefoy.

O espectador obtém a resposta da maneira mais gráfica possível. "Altered Carbon" não poupa na violência.

"As filmagens são muito intensas. Tenho que lutar com homens geneticamente alterados dentro de uma jaula. Numa semana tranquila, eu só chorava umas 14 horas seguidas", exagera Kinnaman.

Apesar disso, uma das partes mais chocantes ficou de lado, quando Takeshi Kovacs é torturado virtualmente no corpo de uma mulher.

"Estaria explorando a forma feminina ao transformá-la no alvo de toda a tortura e voltando ao homem na hora da vingança", diz Kalogridis, explicando a exclusão.

Apesar disso, a violência contra a mulher é um assuntoa abordado. "Teria que ser maluca para dizer que, em 300 anos, a mulher não continuará a ser alvo de exploração. Mas faz parte do tema do livro. Temos consciência e nos centramos nas vítimas."

O jornalista RODRIGO SALEM viajou a convite da Netflix.


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