Descrição de chapéu

Edição atual observa prática de um ofício em transformação

Se fazer um bom Manual dá trabalho, real desafio é engajar Redação na boa aplicação de seus princípios

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
A nova versão do "Manual da Redação" - Gabriel Cabral/Folhapress

Um bom manual de redação é instrumento essencial para a prática de bom jornalismo. Mas, evidentemente, embora seja condição necessária para tanto, não é condição suficiente.

O novo "Manual da Redação" da Folha, o quinto em 34 anos, é um bom manual. Utiliza-se de seus predecessores e lhes dá continuidade, atualizando muito de seu conteúdo e ampliando-o significativamente.

Era indispensável e talvez tenha demorado demais para chegar, já que, no interregno entre a edição de 2001 e a atual, a imprensa tem passado pelo mais transformador período de sua história talvez desde seu surgimento.

Manuais são algo antigo no jornalismo. O da Folha em 1984 não tinha nada de inovador por si próprio.

No Brasil, existem pelo menos desde os anos 1920, quando Gilberto Freyre, recém-chegado dos Estados Unidos, adotou "uma style-sheet aculturada" (na definição de José Marques de Melo) para "A Província", que dirigia em Recife.

A própria Folha já tinha tido "Normas de Trabalho", revolucionadas em 1959 por José Nabantino Ramos, que então comandava a Redação.

O que se fez em 1984, no contexto mais amplo da implantação do Projeto Folha, foi ultrapassar o universo linguístico, gramatical, no máximo estilístico, que caracterizava os manuais jornalísticos até então.

Dali em diante, o "Manual" passava a abranger a esfera filosófica, ética, e definiu como a política do projeto editorial deveria ser aplicada na prática.

A atual edição mantém esse espírito e o aproxima da nova realidade, por exemplo, com capítulo específico sobre conduta, em boa parte dedicado a orientar o jornalista sobre como se comportar nas redes sociais.

Alerta

A edição de 1984 se iniciava com um alerta óbvio, mas importante: "[o 'Manual'] não substitui um curso de jornalismo e muito menos supre a vivência prática de Redação, indispensável na preparação de um profissional de imprensa".

A advertência continua valendo. Produzir um manual dá trabalho, mas esta é a parte fácil. Fazer com que os jornalistas o leiam, entendam, consultem e cumpram é que é complicado.

Para ficar no mais antigo e simples, a língua portuguesa. Trinta e nove páginas são dedicadas aos seus problemas na atual edição.

Será que elas evitarão que este jornal continue a publicar muitas brutais agressões à "última flor do Lácio" como vem fazendo a cada hora em suas edições impressa e digital?

Não. Porque isso não depende apenas do "Manual" nem do veículo que o adota. Domínio da língua culta provém principalmente de boas escolas, desde a elementar, e de esforço individual.

Mais complexo ainda é fazer com que recomendações para a prática profissional sejam seguidas. Para consegui-lo, é fundamental o trabalho de convencimento, que começa com persuadir os jornalistas a absorver as diretivas estabelecidas.

Na maioria absoluta das Redações brasileiras que tinham manuais até a década de 1980, eles eram apostilas ou livros que, na melhor das hipóteses, eram deixados pelos jornalistas em gavetas e raramente de lá retirados.

No processo de implantação do "Manual" da Folha de 1984, foi feito um esforço exaustivo (talvez exagerado e alvo de muitas críticas internas) para tentar garantir que todos os jornalistas o conhecessem e respeitassem.

Claro que tal mutirão não foi bem-sucedido em cem por cento. Mas muitos princípios vitais se incorporaram à cultura da Folha e continuam a ser parte dela até agora.

O grau de sucesso na assimilação de um manual é determinado por dois fatores básicos: o empenho dos dirigentes da Redação em vê-lo ocorrer e o engajamento dos jornalistas no processo.

A política de transparência da Folha, que inclui dar aos leitores acesso ao "Manual", permite que múltiplas vigilâncias ajudem a fazer cumprir seus mandamentos.

A instituição de ombudsman é um dos canais de que o público pode se valer para mostrar à Redação quando seus princípios são desobedecidos.

Mas, no limite, quem determina a gradação de êxito de um manual, na prática, é a própria Redação, em todos os seus níveis hierárquicos.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA,
participou das comissões de todas as edições do “Manual da Redação” anteriores a esta; foi ombudsman da Folha de 2008 a 2010 e é professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.


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