Morre Thomas Cohn, galerista que revelou artistas da Geração 80

Leonilson, Daniel Senise e Adriana Varejão foram artistas representados por ele

O galerista Thomas Cohn, em sua casa, em 2012
O galerista Thomas Cohn, em sua casa, em 2012 - Luiza Sigulem/Folhapress
GUSTAVO FIORATTI
São Paulo

​Morreu na segunda (5), aos 83 anos, o galerista e colecionador de arte alemão Thomas Cohn, que teve atuação importante durante a retomada da pintura no cenário das artes nos anos 1980.

Seu corpo foi cremado nesta terça-feira (6), em cerimônia fechada para poucos familiares e amigos, seguindo seu próprio pedido.

De família judia e nascido em Beuthen, cidade na fronteira da Alemanha com a Polônia, Cohn teve de sair de sua terra natal aos oito anos, durante a Segunda Guerra Mundial, fugindo do Exército nazista com a mãe e primos.

Estabeleceu-se com a família, primeiro, no Uruguai, onde passou sua juventude.

Em 1962, mudou-se para o Rio, na companhia de Myriam Tenenbaum Cohn, que seria sua primeira mulher --ele teria um segundo casamento, com Miriam Spira, mãe de Anny e Vivian Gandelsman.

Em entrevista realizada no ano passado por Vivian (o vídeo está disponível no site artload.com), o galerista conta que, ainda indecisos sobre a permanência no país, ele e Myriam escolheram morar em um hotel em Copacabana. A estadia ali durou oito meses.

"As paredes eram muito cinzas, então a gente começou a comprar obras de arte para decorá-las", ele rememora. No vídeo, com humor, Cohn assume que comprou "muita coisa errada" nesse seu início de trajetória.

Pouco antes de completar 30 anos, Cohn resolveu desfazer-se de todas as obras adquiridas. Com o dinheiro, casou-se com Myriam, decidiu fixar-se de vez no Brasil e, sob influência de um jovem amigo brasileiro, o artista Antonio Dias, então com 19 anos, começou a prestar atenção no trabalho de artistas nacionais contemporâneos.

Passou os anos 1970 viajando e comprando obras --também de estrangeiros. Adquiriu trabalhos assinados por Lygia Clark, On Kawara, Christian Boltanski, entre outros.

GERAÇÃO 80

Foi em 1983 que decidiu, enfim, abrir a galeria Thomas Cohn, dando privilégio ao trabalho de pintores.

O espaço ganhou relevância ao embarcar na efervescência de um movimento originado em torno desse suporte e também por apostar em artistas ainda sem proeminência, mas que despontavam como uma renovação geracional em um momento de abertura política.

Era aquela que se chamaria Geração 80, com a qual ganharam projeção artistas como Daniel Senise, Luiz Zerbini, Beatriz Milhazes, Leda Catunda e Leonilson.

Esses dois últimos eram representados por Cohn antes da mostra "Geração 80", realizada por Marcus Lontra, Paulo Roberto Leal e Sandra Magger, em 1984, no Parque Lage.

Nos anos 1990, Cohn trocou o Rio por São Paulo, onde reabriu sua galeria. Senise, representado por ele desse período até 2001, diz que Cohn se destacava pela independência de pensamento e pelo olhar atento a cenários de fora do país. "Era um homem do mundo", resume.

Ou, no outro sentido, "um dos pioneiros embaixadores da arte brasileira no exterior", diz a galerista Nara Roesler.

'APAIXONADO'

Nos anos 2000, as questões do corpo, da performance, da tecnologia e da palavra ganharam volume em outros espaços dedicados à arte, mas a galeria de Cohn permaneceu fiel a suportes tradicionais.

A galeria funcionou até 2012, quando seu dono decidiu se dedicar a outra atividade e abriu um escritório voltado ao design de joias, que funcionou até o ano passado, quando ele recebeu o diagnóstico de câncer no intestino.

Vivian diz que Cohn, além de apreciador das artes visuais, gostava de ouvir música eletrônica. "Virou um expert no assunto, antes mesmo de eu saber o que era música eletrônica", diz ela, 32.

"Um apaixonado". Assim o crítico Agnaldo Farias define seu "amigo Thomas".

"Começou a colecionar arte e abriu sua galeria com o mesmo ardor. Primeiro a mostrar Leonilson. Foi responsável pela descoberta de Adriana Varejão. Por causa de atitudes como essa, muita gente, arrogantemente ortodoxa, rompeu com ele. A Geração 80, depois consagrada, deve muito a seu olhar crítico e sensibilidade", completa.

Sua paixão se exprimia também nas "viagens de pesquisa", "surpreendentes". "Era entusiasmado tanto quanto indignado por tudo que lhe interessava: arte, a política, os passes errados do São Paulo, time do coração", conclui Farias.

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