Poeta da condição feminina, Kenji Mizoguchi ganha retrospectiva

Cineasta foi citado por Kurosawa como o 'mais verdadeiro criador' do cinema japonês

CÁSSIO STARLING CARLOS
São Paulo
Cena do filme "Mulheres da Noite", do janponês Kenji Mizoguchi
Cena do filme ‘Mulheres da Noite’, de Kenji Mizoguchi - Divulgação

"Com a morte de Mizoguchi, o cinema japonês perdeu seu mais verdadeiro criador."

O lamento tardio feito por Akira Kurosawa (1910-1998), diretor celebrado como um dos maiores e mais influentes cineastas do mundo, fornece uma medida justa do valor da obra de Kenji Mizoguchi (1898-1956), dentro e fora do Japão.

O IMS de São Paulo apresenta, a partir de terça (20) até 6 de março, um ciclo com 17 dos 31 longas que sobreviveram de um total de 85 títulos assinados pelo cineasta japonês entre 1923 e 1956.

Em três décadas de atividade, Mizoguchi passou do papel de jovem audacioso pronto a desafiar regras que já padronizavam uma arte ainda nova ao posto de mestre criador de formas únicas e perenes. Mas foi sobretudo como poeta da condição feminina que sua assinatura manteve o poder de impactar mesmo o espectador distante.

A maior raridade do ciclo é "A Canção da Terra Natal", de 1925, inédito no Brasil e único filme da prolífica e pouco conhecida fase silenciosa do diretor, cuja maior parte se perdeu. Embora Mizoguchi o considerasse apenas "propaganda para fomentar a produção de arroz", ali já se identifica seu interesse fundamental pela injustiça, eixo do conjunto de sua obra.

"Oyuki, a Virgem", "Elegia de Osaka" e "As Irmãs de Gion", três títulos da década seguinte, são exemplos da atenção, identificada anacronicamente como feminista, que Mizoguchi deu à eterna danação das mulheres em um mundo regido pela dominação e pelo desejo masculinos.

Para representar relações sempre tensionadas pelo poder de uns sobre os outros e pela redução do valor humano ao uso e à troca, o diretor aprofundou, desde os anos 1930, o sentido do plano-sequência, recurso em que a cena é filmada numa só tomada, sem cortes.

Em vez de se confundir com virtuosismo, como é habitual no cinema contemporâneo, nos filmes de Mizoguchi o plano-sequência é o que permite preservar a gravidade e a tensão do trabalho dos atores e da equipe durante as filmagens, obtendo assim uma profunda impressão de realismo.

Ao lado do rigor realista desse recurso de encenação, outro tipo de exuberância surge na intensa estilização de cenários, da luz e dos movimentos de câmera, como se pode constatar no conjunto de filmes dos anos 1950.

Dessa fase madura que corresponde ao apogeu da obra do diretor, o ciclo exibe uma sucessão de oito obras-primas, que começa com "Oharu, a Vida de uma Cortesã" (1952) e se encerra com "Rua da Vergonha" (1956).

Neles, Mizoguchi reafirma a necessidade de condenar seus personagens a finais trágicos ou infelizes. O espectador porém, como assinala o crítico francês Jean Douchet, "não deve aceitar a sina reservada a eles, mas, ao contrário, se revoltar contra ela".


MOSTRA KENJI MIZOGUCHI

QUANDO terça (20/2) a 6 de março

ONDE IMS - av. Paulista, 2.424, tel. 2842-9120

QUANTO R$ 4 (inteira)

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