Descrição de chapéu Lollapalooza

Ações de marketing afastam Lollapalooza de antigo perfil independente

Estande de piercing, estúdio fotográfico e brinquedos estão entre eventos promocionais da festa 

Thiago Ney
São Paulo

O festival é de música, mas a palavra que o move é outra: experiência. Para boa parte do público (e das marcas que patrocinam o evento), bandas e cantores escalados são apenas uma desculpa para passar um ou dois ou três dias andando em uma roda gigante ou fazendo selfies com efeitos tecnológicos.

Nesta sétima edição do Lollapalooza São Paulo, impressiona a quantidade de marcas que não apenas expõem o nome e os seus produtos, mas que montam estandes com serviços que vão de estúdio de piercing a um slackline (atividade em que uma pessoa se equilibra em cima de uma fita elástica a vários metros de altura).

No mundo publicitário, são chamadas de ativações de marca. Basicamente, as empresas não querem mais apenas estampar o nome no pôster do festival --querem estar lá dentro, conectar seu nome a um evento que até pouco tempo atrás conservava certo espírito independente, descolado, contemporâneo.

Esse movimento não começou no Lollapalooza 2018 --o Rock in Rio é talvez o maior exemplo aqui no Brasil--, mas chama a atenção, nesta edição do festival criado pelo Jane's Addiction Perry Farrell, a volúpia com que as marcas estão tomando o espaço do evento que é realizado até este domingo no autódromo de Interlagos.

O que acontece no Brasil é reflexo de uma tendência que domina os EUA. Por exemplo, o South by Southwest (SXSW), que começou bem independente na cidade de Austin (Texas), em 1987. O festival cresceu, atualmente recebe mais de 2.000 nomes da música, promove lançamentos de filmes e realiza conferências de tecnologia.

As marcas perceberam não apenas o aumento de tamanho do SXSW, mas da influência que ele exerce sobre músicos, críticos, jornalistas etc. Hoje é difícil dar três passos em Austin, durante o SXSW sem dar de cara com uma ativação de marca.

O Lollapalooza São Paulo tem quatro palcos, que de sexta a domingo abrigam nomes como Red Hot Chili Peppers, LCD Soundsystem, Pearl Jam, The Killers, Lana Del Rey e tantos outros. Mas tem também mais de uma dezena de grandes estandes com atividades que acabam competindo com a música para atrair a atenção das cerca de 100 mil pessoas que vão ao autódromo em cada um dos três dias.

Em frente ao palco Perry, dedicado à música eletrônica, há uma enorme roda gigante. No final da tarde de sexta, quem quisesse andar no brinquedo tinha de pegar uma fila de mais de uma hora. A atração é bancada pela Sky.

Bem perto dali, há um lounge montado pela Doritos. É um lugar em que pode-se permanecer, por meia hora, ouvindo um DJ em um ambiente com ar condicionado, wi-fi e com uma ou outra bebida de graça.

Ao lado, outra promoção. Desta vez, da Budweiser. A cervejaria montou um estande que pretende se assemelhar a um vagão de trem. Ali, há profissionais que colocam piercings em quem desejar. Mas quem vai a um festival de música e pega fila para colocar um piercing? Bem, para quem nasceu antes de 1990, talvez seja difícil encontrar uma resposta.

Gerente de marketing da Budweiser no Brasil, Karina Ferreira disse à reportagem que a empresa busca, na ação dentro do Lollapalooza, relembrar que ela foi uma das patrocinadoras da primeira edição do Lollapalooza, realizada em 1991 nos EUA. "Por isso, recriar uma estação de trem seria como fazer uma viagem aos anos 1990. E temos duas bandas grandes daquele período tocando aqui, o Red Hot e o Pearl Jam.

"Nenhuma empresa divulga quanto custou as ações promocionais. Ferreira diz que o dinheiro investido serve para tentar mostrar "relevância, legitimidade e valores" da marca. Para isso, montou ainda espaços com bares próprios, barbearia, uma estação com máquinas de games dos anos 1990, uma cabine para gravar vídeos com influenciadores etc.

A reportagem ouviu pessoas ligadas a diversas ações de marketing. Muitas não quiseram ser identificadas, mas todas soltam o discurso de que estar em um festival de música serve para "conversar com o público alvo" e "divulgar os valores das marcas".

Este Lollapalooza 2018 tem como 1) patrocinadores: Budweiser, Chevrolet, Axe, Doritos e Petrobras Premmia; 2) apoio: Fusion drink, Sky e Samsung Galaxy; 3) fornecedores oficiais: Uber e Santa Magiore; 4) meios de pagamentos preferenciais: Bradesco e Next. Praticamente todas essas empresas disputam espaço físico no autódromo (e a atenção do público).

Se o Lollapalooza alegava ter algum espírito independente, isso ficou no passado. Hoje é um evento em que o artístico está lado a lado do pensamento corporativo. Não é surpresa que todos os palcos tenham sido batizados com o nome dos patrocinadores. Mas ainda assim espanta a invasão das ações promocionais.

A Axe montou um slackline gigantesco, em que os interessados andam sobre uma fita elástica a oito metros de altura. A Chevrolet produziu um estande enorme com estúdio fotográfico (para fazer selfies com efeitos de luz), máquinas que tiram fotos para serem transformadas em gifs e, ainda um brinquedo em formato de barco chamado Kamikaze (o negócio é uma evolução do antigo barco Viking do Playcenter, dá uma volta completa no ar).

Além dessas, há várias outras, que atraem gente disposta a pegar filas para poder participar da "experiência". A música, dentro de um festival de música, fica em segundo plano.

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