Descrição de chapéu

'Árvores Vermelhas' recria sensorialidade da obra de um arquiteto daltônico

Documentário conta a trajetória de família judia que sobreviveu à Shoah

LÚCIA MONTEIRO
São Paulo

ÁRVORES VERMELHAS (RED TREES)

  • Quando estreia nesta quinta (29)
  • Produção Brasil/EUA/Reino Unido, 2017, 10 anos
  • Direção Marina Willer

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Na década de 1930, o território da atual República Checa contava pouco mais de 300 mil judeus. Ao final da Segunda Guerra Mundial, restavam ali 12 famílias judias. Entre elas, os Willer.

É a partir da perspectiva de Alfred Willer, um garoto checo que tem 14 anos quando a Segunda Guerra termina, que "Árvores Vermelhas" conta a trajetória dessa família que sobreviveu à Shoah —o documentário estreia nesta quinta-feira (29) no Brasil.

Vê-se uma faixa de areia e pedras que se afunila, tendo de um lado o que parece ser o mar e, de outro, um pântano; ao centro da faixa de areia, uma mulher caminha, de costas para a câmera, trajando um casaco com listras verde e cinza
Cena de ‘Árvores Vermelhas’, documentário de Marina Willer - Divulgação

Em 1947, eles embarcam rumo ao Brasil, onde Alfred Willer se forma em arquitetura (projetou, entre outras construções, o estádio Pinheirão, em Curitiba).

Dirigido pela filha de Alfred, Marina Willer, o documentário celebra a memória dos antepassados.

Designer brasileira radicada em Londres e autora do premiado curta-metragem "Cartas da Mãe" (2003), sobre o cartunista Henfil, ela reconstrói a história familiar com base nas memórias escritas pelo pai e na visita que ele faz, aos 75 anos, à República Checa.

Belos planos dos arredores de Kaznejov, onde Alfred nasceu, são acompanhadas de relatos que dão conta da inteligência do engenheiro Vilem Willer, um dos inventores da fórmula para a produção do ácido cítrico em escala industrial.

A patente e o casamento com uma não-judia contribuíram para a sobrevivência de pai e filho —a avó de Alfred morreu no campo de concentração de Theresienstadt.

Elementos sensoriais são marcantes no relato do arquiteto. As linhas de uma igreja do século 12 que ele desenhava instantes antes do bombardeio de Praga. A jaqueta de couro dos oficiais da Gestapo que entraram em seu apartamento à procura da receita do ácido cítrico. O sabor do sorvete de amora que a família fabricava. A estante de livros na casa onde viviam.

Marina Willer acentua, com seu olhar de designer, a visualidade do testemunho do pai, associada à cultura visual checa de antes da ascensão do nazismo.

Ela tenta também restituir o olhar de Alfred, que é daltônico —o título faz referência à coloração incandescente de uma floresta da Boêmia que ele viu em chamas na infância.

A fotografia de César Charlone (de "Cidade de Deus" e "Ensaio Sobre a Cegueira") ajuda a recriar atmosferas sensoriais, promovendo uma aproximação quase tátil do personagem.

Infelizmente, a construção da narração, conduzida em inglês pela diretora, não parece ter recebido cuidado semelhante.

Nos encontros entre Alfred e os filhos de Marina, o documentário aposta na aptidão dos Willer para as ciências e as artes. Embora tocantes, tais situações fazem com que o foco do documentário se perca, enfraquecendo-o.

Quando vemos os garotos loirinhos numa multicultural escola infantil, o percurso internacional da família se volta é associado ao drama vivido atualmente pelos refugiados na Europa. Seria essa uma outra história?

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