Construções do período modernista têm preservação avaliada nesta segunda

Reunião vai tratar de tombamento municipal de obras de Lina Bo Bardi e Rino Levi, entre outros

Francesca Angiolillo
São Paulo

O destino de obras de Rino Levi, Paulo Mendes da Rocha e Lina Bo Bardi, entre outros nomes da arquitetura moderna em São Paulo, pode ser decidido em uma reunião na manhã desta segunda (12).

A 666ª reunião extraordinária do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), marcada para as 10h, deve durar o dia todo.

Será a penúltima das reuniões regulares que o Conpresp tem realizado para atender ao disposto na portaria 166, de 2016, que determina que processos de tombamento que estivessem abertos na data deviam ser analisados até 22 de março deste ano.

Os cerca de 800 imóveis nessa situação foram divididos em blocos temáticos, cabendo ao encontro de hoje as obras do período modernista.

Preocupados com o futuro das edificações, erigidas entre as décadas de 1920 e 1970, 28 professores de escolas de arquitetura redigiram uma carta, que esperam que seja lida na reunião, ressaltando a importância de sua preservação.

Entre os processos de tombamento contemplados, está o salão de festas do clube Pinheiros, de Gregori Warchavchik - Daniel Marenco - 17.mai.11/Folhapress

A inquietude do grupo decorre de um precedente recente, a decisão contrária ao tombamento de uma vila residencial de Flávio de Carvalho (1899-1973) nos Jardins (zona oeste) que era o único projeto construído na cidade de autoria do artista modernista.

Em outubro do ano passado, o processo de tombamento, de 2004, foi arquivado, dando aos proprietários poder de decidir seu destino.

Muitas das casas, hoje de uso comercial, foram descaracterizadas, o que justificou, aos olhos do Conpresp, que não fossem protegidas, mesmo se o parecer técnico recomendava o contrário.

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Cafeteria que funciona em casa que ainda guarda características originais da vila projetada por Flávio de Carvalho - Bruno Santos - 10.nov.17/Folhapress

O risco de que isso pudesse acontecer com obras como o salão de festas do clube Pinheiros, projeto do pioneiro modernista Gregori Warchavchik (1896-1972), motivou a ação dos professores.

Para José Lira, professor titular da FAU-USP que idealizou a carta, o argumento da descaracterização é “absolutamente ultrapassado”.

“Há décadas, os preservacionistas vêm assumindo e operando com as marcas do tempo como dados fundamentais e, em seus trabalhos de restauro, afirmando criticamente a distância temporal que nos separa do original.” 

PARECERES 

O Conpresp é composto de representantes de associações, como o Instituto de Arquitetos do Brasil e a OAB; da Câmara de Vereadores; e de secretarias municipais. 

O Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), que elabora pareceres técnicos sobre processos de tombamento, também participa do conselho, representado por sua diretora, Mariana Rolim
Rolim, que é arquiteta, explica que o Conpresp pode ver na descaracterização impedimento à preservação. No caso do conjunto nos Jardins, diz, já se perdera a “ideia de vila”.

Ela diz ainda que, em outros casos, o tombamento foi determinado pelo conselho apesar da descaracterização.

Rolim cita os exemplos da escola Marina Cintra, na Consolação (região central), e do sítio do Periquito, em Parelheiros (região sul) —este, diz, está mesmo em ruínas, mas permite perceber suas características, cujo proprietário se dispôs a resgatar.

A diretora recorda que uma de suas atribuições como representante do DPH é levar ao conselho não só sua posição mas as diversas visões que membros do corpo técnico adotam no processo.

Dentro do grupo, pode haver quem defenda tombar um bem, não tombar ou quem sugira um tombamento parcial. 

Por fim, ela frisa ainda que pode ocorrer o inverso do que houve na vila de Flávio de Carvalho —um parecer ser contrário ao tombamento e ela apresentar ao órgão argumentos pela preservação.

 

Leia íntegra da carta escrita pelos professores.

Ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP
Ilmo. Sr. Cyro Laurenza 
Presidente do CONPRESP

São Paulo, 8 de março de 2018

Prezados(as) Senhores(as),

É com profundo interesse que a comunidade arquitetônica e patrimonial de São Paulo vem acompanhando os processos de tombamento e preservação de bens arquitetônicos modernos construídos na cidade entre os anos 1920 e 1970. Afinal, além da excepcional qualidade artística de um bom número deles, em conjunto evocam um momento crucial de afirmação física, social e cultural da metrópole. A força desta arquitetura na configuração da nova ecologia metropolitana é proporcional a seu peso nos processos contemporâneos de expansão e adensamento da malha urbana, verticalização das áreas mais centrais, ascensão de novos padrões residenciais e instalação em toda parte de espaços modernos de trabalho, consumo, lazer, esportes, cultura, educação e saúde.

É verdade que muitos dos marcos arquitetônicos desse processo se perderam nas últimas décadas, substituídos por uma quarta ou quinta camada de urbanização autofágica, ou abandonados à ação da matéria e aos constrangimentos provocados pela marcha inexorável da urbanização, por obras viárias inflexíveis, projetos imobiliários imediatistas e intervenções no mínimo desastradas. De qualquer modo, como em toda grande cidade que se pretenda um polo de civilidade no planeta, aqui e ali, também em São Paulo, alguns deles resistem. Se bem salvaguardados, haverão de afirmar-se como marcos fundamentais de orientação dos cidadãos no espaço e no tempo, de preservação de uma escala humana na megalópole, de coesão social em torno de um sistema cultural urbano comum, essa espécie de acervo vivo de estruturas e figuras nas palavras de Giulio Carlo Argan, capaz de fornecer balizas seguras ao conhecimento e ao desenvolvimento das cidades. 

A próxima reunião extraordinária deste Conselho, agendada para o dia 12/03/2018, é naturalmente motivo de grande apreensão de nossa parte. Trata-se de uma reunião dedicada a apreciar um número razoável de notáveis exemplares de arquitetura moderna produzidos na cidade de São Paulo neste período decisivo de conformação da metrópole, cujos processos de tombamento foram abertos conforme as orientações do Plano Diretor de São Paulo neste quesito.

Cobrindo um espectro de programas dos mais representativos do período (edifícios de apartamentos, residências unifamiliares, conjuntos de casas, escolas, hospitais, templos, bibliotecas, clubes, equipamentos esportivos, edifícios administrativos), o conjunto abrange edifícios públicos e privados, localizados em áreas centrais e suburbanas, projetados por alguns dos mais ilustres arquitetos atuantes na cidade, vários dos quais de grande reconhecimento nacional e internacional, como Gregori Warchavchik, Rino Levi, Bernard Rudofsky, Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, Eduardo Kneese de Mello, Ícaro de Castro Mello, Carlos Millan, Fábio Penteado, Plinio Croce, Giancarlo Gasperini, Joaquim Guedes, Franz Heep, Francisco Beck, Alfredo Becker, Oswaldo Bratke, Hélio Duarte, Hans Broos, Abelardo de Souza, Victor Reif, Abraão Sanovicz, Eduardo de Almeida, Rodrigo Lefèvre e vários outros. Não apenas considerados em suas particularidades de obras de excepcional valor artístico e construtivo, exemplares da mais erudita produção arquitetônica do período, tais bens são representativos de funções institucionais igualmente inovadoras e, reunidos do modo como se apresentam, dialogam orgânica, eloquente e instrutivamente uns com os outros e com o acervo de obras modernas já tombadas pela Municipalidade. 

Com a iniciativa de tombamento, oferece-se assim uma resposta consistente com os esforços historiográficos das duas últimas décadas no sentido do conhecimento, valorização e ampliação do corpus de obras de arquitetura moderna paulista, e ao mesmo tempo uma contribuição para a qualificação do ambiente construído local. Trata-se, portanto, de uma iniciativa fortemente enraizada na mais atualizada pesquisa científica, com benefícios inestimáveis para o público em geral, crescentemente interessado pelo patrimônio edificado – vide o sucesso de exposições, publicações e jornadas a seu respeito – assim como para as futuras gerações de habitantes e visitantes da cidade. Preservar esses bens não só salvaguarda a memória de grupos sociais os mais diversos, como garante a densidade histórica, cultural e ambiental necessária para o futuro de uma cidade do porte de São Paulo.

A relevância e a complexidade do acervo em exame é tal que qualquer decisão a respeito de sua preservação deverá se valer das análises qualitativas e dos cuidadosos estudos técnico-patrimoniais que vem notabilizando o Departamento de Patrimônio Histórico desta Secretaria Municipal de Cultura já há mais de três décadas. Neste sentido é que vimos perante este Conselho Municipal solicitar atenção ao valor patrimonial deste Conjunto de Arquitetura Moderna reunido nos vários processos sob seu zelo, no sentido de sua efetiva preservação pelos meios legais. 


Atenciosamente,

Ana Lúcia Ceravolo (professora doutora, presidente da Fundação Pró-Memória de São Carlos)
Ana Lúcia Duarte Lanna (professora titular da FAU-USP)
Ana Paula Koury (professora doutora da FAU-São Judas)
Andrea de Oliveira Tourinho (professora doutora da FAU-São Judas)
Beatriz Mugayar Kuhl (professora titular da FAU-USP)
Benedito Lima de Toledo (professor titular da FAU-USP, ex-conselheiro do Condephaat)
Carlos Alberto Ferreira Martins (professor titular do IAU-USP, ex-presidente da Anparq)
Carlos Eduardo Cerqueira Lemos (professor titular da FAU-USP, diretor técnico do Condephaat 1968-1981, ex-conselheiro do Condephaat, do Iphan e do Conpresp)
Cecília Rodrigues dos Santos  (professora doutora da FAU-Mackenzie, superintendente do Iphan-SP)
Cristina Meneguello (professora associada IFCH-Unicamp)
Fernando Vásquez (professor doutor da FAU-São Judas, coordenador Docomomo-SP)
Flavia Brito do Nascimento (professora doutora da FAU-USP, conselheira do Condephaat)
Guilherme Teixeira Wisnik (professor doutor FAU-USP)
Helena Ayoub (professora associada da FAU-USP)
Hugo Massaki Segawa (professor titular da FAU-USP)
Joana Mello de Carvalho e Silva (professora doutora da FAU-USP)
José Tavares Correia de Lira (professor titular da FAU-USP)
Luis Antonio Jorge (professor associador da FAU-USP)
Luis Recamán Barros (professor doutor da FAU-USP)
Maria Lucia Bressan Pinheiro (professora associada da FAU-USP)
Miguel Buzzar (professor associado e diretor do IAU-USP)
Monica Camargo Junqueira (professora associada da FAU-USP)
Paulo Cesar Garcez Marins (professor doutor Museu Paulista da USP, conselheiro do Condephaat)
Renato Sobral Anelli (professor titular do IAU-USP)
Ruth Verde Zein (professora titular da FAU-Mackenzie)
Sabrina Fontenele (professora colaboradora do IFCH-Unicamp)
Sarah Feldman (professora associada sênior do IAU-USP, conselheira do Condephaat)
Silvana Barbosa Rubino (professora associada do IFCH-Unicamp, conselheira do Condephaat)

 

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