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Artes Cênicas

Peça 'Diálogo Noturno com um Homem Vil' não desfaz contradições do texto

Montagem reúne dois grandes atores, Aílton Graça e Celso Frateschi

Paulo Bio Toledo
São Paulo

Diálogo Noturno com um Homem Vil

  • Quando sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h; até 22/4
  • Onde Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
  • Preço R$ 9 a R$ 30
  • Classificação 14 anos

A montagem de "Diálogo Noturno com um Homem Vil", peça do suíço Friedrich Dürrenmatt sobre um escritor ativista que se depara com o seu carrasco, reúne dois grandes atores, Aílton Graça e Celso Frateschi.

Eles constroem o papel atentos a cada situação, evidenciando um universo de intenções silenciosas e movimentos subterrâneos. O resultado é um exercício avançado de atuação naturalista.

Apesar disso, subsiste certo embaraço formal na dramaturgia. O texto escrito em 1952 reflete sobre a justiça e o arbítrio a partir da figura do carrasco, o "burocrata da morte" que executa à mando da ordem social autoritária.

Os atores Celso Frayeschi (esq.) e Ailton Graça na peça 'Dialogo Noturno com um Homem Vil' - Lenise Pinheiro/Folhapress

Mas, se ele fosse apenas instrumento de execução, o "diálogo" do título não aconteceria. Afinal, a máquina da morte é sempre fria e pragmática. O carrasco aparece como uma figura em contradição com o que o define. Dürrenmatt cria um assassino consciente, que sofre por ser apenas o machado que golpeia o que lhe botam na frente.

Ao mesmo tempo em que ele aparece como o homem reduzido à sua função, possui um tipo de consciência filosófica sobre sua condição.

Para manter operante o diálogo que fundamenta a peça, o carrasco precisa ser sujeito de si e não apenas objeto de forças maiores. Só que, sendo assim, ele deixa de ser o que é. Um carrasco que filosofa não pode ser carrasco.

Em contraste com um escritor arrogante, o carrasco se destaca como um homem simples, marcado pela sabedoria da vida prática. A forma do "diálogo" se impõe e cria fascínio pelo velho assassino.

O espetáculo se esforça para enfrentar as contradições. Propõe aberturas e quebras da cena, como quando os atores transformam passagens do texto em comentários críticos voltados para a plateia. Mas nada disso resolve a sensação de impasse que a estrutura da peça apresenta.

A foto de Marielle Franco num porta-retratos, em posição de destaque na cenografia, como se fosse a esposa assassinada do escritor, funciona como dedicatória à vereadora morta no Rio e revela uma posição de protesto.

Contudo, a figura de Marielle fica associada à fragilidade idealista do escritor, e seus executores têm a chance de serem vistos com a complacência do carrasco da peça.

Apesar da qualidade da atuação, a peça não desfaz as contradições da dramaturgia que acabam por amparar um tipo problemático de relativização sobre a barbárie.

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