Girafa é uma menina de nove anos. Tem altura maior do que a média (daí o apelido animalesco) e uma esperteza incomum. Gosta de jogos de palavras e de questionar as explicações filosóficas do pai.
Mas, quando a crise chega à sua casa, decide partir em aventura. É preciso encontrar o primeiro-ministro de Portugal para criar uma lei que a permita roubar um banco e, então, garantir uma assinatura vitalícia do Discovery Channel.
Girafa é também uma metáfora da crise portuguesa. É a personagem central de “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas”, do dramaturgo lusitano Tiago Rodrigues.
O espetáculo, escrito em 2011, ganhou tradução francesa da companhia 8 Avril, montagem apresentada no último fim de semana no Festival de Teatro de Curitiba.
Rodrigues narra tudo em tom de fábula, pelos olhos da garota. Ela perdeu a mãe há pouco e vê seu pai, ainda que um otimista, agoniado pela falta de emprego e pelas contas que acumulam.
Mas não se busca uma ilusão ou uma completa ingenuidade. Girafa tem corpo e jeito de adulto (é interpretada pela francesa Maloue Fourdrinier). Quando encontra estranhos na rua, não hesita em perguntar, antes de qualquer interação, se seriam pedófilos.
Seu ursinho de pelúcia, a quem dá o nome de Judy Garland, é na verdade um marmanjo (Christophe Garcia) que desata a falar palavrões.
“A porta de entrada é a fábula, mas a peça vai te levando para outros caminhos”, diz o diretor Thomas Quillardet, que também traduziu o texto. “Quando você coloca uma criança para ver o mundo, tem ingenuidade, mas verdades também.”
Na falta do canal pago, a menina sai à rua numa Lisboa em crise. Vai ao banco e tem o pedido de dinheiro negado. Questiona por que não pode ser ajudada se, já em seu slogan, a instituição diz: “O teu banco para todas as ocasiões”.
Finalmente chega ao primeiro-ministro, mas logo pensa se a saudade que sente é de seu programa de girafas ou da mãe que se foi. “É uma menina que aprende sobre os absurdos do mundo e, com isso, aprende também a fazer um trabalho de luto”, afirma Quillardet.
Em sua encenação, o francês reforça o tom fabular. Cria um cenário repleto de tecidos e traquitanas que sobem e descem por cabos manuais, como se numa brincadeira de criança. Como a casa de Girafa e seu pai (interpretado pelo próprio Quillardet), feita como uma grande barraca de camping e que cuja estrutura se movimenta com os suspiros dos moradores.
Também usa alguns efeitos de som para ilustrar a narração da criança. Quando ela fala de sua corrida pelas ruas, manipula sapatos sobre um montinho de pedras, que tem o som captado. Ao seu lado, Judy Garland representa a respiração ofegante apertando uma bomba de ar, dessas de encher balão.
A jornalista MARIA LUÍSA BARSANELLI viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba.
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