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Filme mostra efeito das igrejas evangélicas em aldeia indígena

'Ex-Pajé' mostra líder tribal que renunciou suas crenças após contato com branco

Cena do filme 'Ex-Pajé', em exibição no Festival de Berlim
Cena do filme 'Ex-Pajé' - Divulgação
Anna Virginia Balloussier
São Paulo

“Depois que o pastor disse que pajé é coisa do Diabo, ninguém mais falou comigo. Isso só acabou quando eu entrei na igreja.”

O desabafo em tom melancólico vem de Perpera Suruí, personagem-título do documentário “Ex-Pajé”. Após ganhar menção especial no Festival de Berlim e o prêmio da crítica no É Tudo Verdade, o filme de Luiz Bolognesi entra em cartaz nesta quinta (26).

Perpera era o líder religioso de sua tribo, os paiter suruís, que vivem na fronteira de Rondônia com Mato Grosso, num território batizado Sete de Setembro. A data marca a independência do Brasil frente a seus colonizadores. Para os suruís, o nome remete a um outro tipo de controle, mais sutil do que uma subjugação à base da força bruta.

“Enquanto o genocídio assassina os povos em seus corpos, o etnocídio os mata em seu espírito.” A frase do antropólogo francês Pierre Clastres (1934-1977) dá o tom da obra.

O dia a dia do povo indígena mudou um bocado depois de quatro décadas de contato com o “homem branco”. Perpera, agora, usa short e uma camisa com escritos em inglês (“Classic Brand”). Suas crianças brincam com smartphones. E, dos cerca de 1.500 suruís que moram na região, a maioria se declara evangélica, segundo Bolognesi, que contou três igrejas na área.

O diretor conheceu os suruís quando fazia a série “Juventude Conectada”. “Enquanto seus pais combatiam madeireiros com flechas, os jovens subiam as fotos para denunciá-los nas redes sociais, para que ONGs pressionassem [o governo a tomar atitude].”

Bolognesi acumula trabalhos premiados como roteirista, do primeiro deles, “Bicho de Sete Cabeças”, ao recente “Bingo”. Como diretor, tinha uma obra até então, a animação “Uma História de Amor e Fúria” —que começa com indígenas em conflito com o desembarque português e chega a um Rio sob controle de milícias e um presidente evangélico. O ano: 2096.

Volta para 2015. Depois de conhecer os jovens suruís, Bolognesi pede para falar com o pajé da tribo. Ouve de resposta: “Pajé, não”. Toma um susto quando Perpera se aproxima. “Ele apareceu daquele jeito: gravata, terno dois números acima do dele.”

Foi de pajé a zelador de igreja batista conduzida por missionário alemão. Não parece feliz.  “Ele me contou que de noite tem que dormir de luz acesa. Se apaga, os espíritos da floresta batem nele, pois não faz as rezas”, afirma o diretor.

Formado em ciências sociais pela USP, Bolognesi diz que sempre se interessou por antropologia. Lembra que num debate de “Terra Vermelha”, filme com roteiro seu que traz indígenas que posam para turistas, um jovem de 16 anos perguntou se “índio era gente”.

No Festival de Berlim deste ano, teve a companhia de uma das personagens documentadas em “Ex-Pajé”. Quis saber o que Kabena Cinta Larga achava da capital alemã “cheia de luzes, encantadora”, e ela respondeu: “As árvores daqui não têm folhas, estranho”.

“Era como quem diz ‘não vejo a hora de voltar para a floresta’”, afirma Bolognesi.
 

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