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Imagino o que é aguentar poetas noite após noite na Mercearia

Local, que começou como mercado e passou a vender cerveja, faz 50 anos com aura de boteco boêmio

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Ambiente do bar Mercearia São Pedro, inaugurado como mercearia em 1968, na Vila Madalena 
Interior da Mercearia São Pedro, inaugurado como mercearia em 1968, na Vila Madalena  - Thiago de Jesus/Folhapress
São Paulo

​Marquinhos talvez não venha. Para a festa da Mercearia São Pedro, boteco que hoje faz 50 anos. A Mercearia que quase vira uma loja de material de construção. Ali no mesmo endereço à rua Rodésia, 34, na Vila Madalena, em São Paulo.

Marquinhos, menininho, não deixou o pai vender prego e argamassa. Convenceu-o, no ano de 1968, a vender café em pó, água sanitária. Depois cerveja. Mais à frente, livraria e videolocadora. Birita preferida de cineastas, escritores, cantores, desenhistas.

Marquinhos é Marcos Benuthe. Durante muito tempo o nosso Ministro Etílico da Cultura. O presidente da nossa Academia Bêbada de Letras.

Ele anda sumido. Às vezes, sai para molhar as palavras em outros copos, longe dos amigos. E não dá mais notícia. Imagino o que é aguentar, noite após noite, poeta no pé do ouvido, à beira do balcão. Ele e o irmão Pedro Anis. Pedro que toca a Mercearia mais à hora do almoço. E está tocando, sozinho e emocionado, a comemoração do cinquentenário.

A última vez que vimos o Marquinhos foi no comecinho do ano, quando ele distribuiu gratuitamente obras de Andréa Del Fuego, Marçal Aquino, Ivana Arruda Leite. E com a nossa presença, brindando ao reencontro.

Têm sido raros esses reencontros românticos. De toda uma geração que fez da Mercearia sua principal mesa de lançamentos. Ao lado do sanduíche de pernil, já autografaram os clientes pioneiros Mário Prata, Reinaldo Moraes, Laerte, Matthew Shirts.

Virou o bar preferido do roqueiro Nick Cave. Depois é que veio Clara Averbuck. Chegou Mário Bortolotto. Mais Marcelo Rubens Paiva. Já enchemos a cara com Jaguar. Batemos uma bola com Sócrates. Brindamos com Xico Sá. Joca Reiners Terron foi quem, nos anos 2000, nos puxou para lá e organizou uma das noites mais históricas do bar, no lançamento da "Antologia Bêbada".

Lugar bom é aquele que coloca a literatura em seu devido lugar. Trocando as pernas e as letras, caindo e se levantando. Parada é que ela não vai ficar. Sobrevive em pleno movimento, é só reparar. Não é à toa que é igualmente em um bar, o do Zé Batidão, que a literatura está, do outro lado da ponte, com seus agitados saraus, em permanente celebração.

Para marcar essa data histórica a nossa intenção neste sábado é mesmo festejar. Com antigos frequentadores, feito Antonio Prata (que ia lá nos braços do pai), e com novos, feito a poeta que, não por acaso, assina Bruna "Beber". Quase cem pessoas em mais uma antologia criada pelo Joca (e por mim) chamada "Saideira - O Livro dos Epitáfios".

(O livro será vendido por R$ 20, durante a festa no bar neste sábado, 27, das 16h às 21h.)

Cada artista, por nós, foi convidado a criar sua própria inscrição tumular. Para aquele dia em que o fígado parar de funcionar. Ou ficarmos, até morrer, esperando um dos donos da festa chegar.

Venha, Marquinhos. Em dias tão tristes, numa época em que o ano de 1968 teima em ressuscitar, queremos (seu irmão Pedro e seus eternos parceiros de toda uma vida) te agradecer e abraçar.

Marcelino Freire, 51, é escritor e autor, entre outros, do romance “Nossos Ossos” (Record).  
 

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