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Coleção de Pedro Corrêa do Lago ganha exposição nos EUA

Artigos cobrem quase 900 anos em documentos que vão de manuscritos papais a foto dos Beatles

O historiador e colecionador de manuscritos Pedro Corrêa do Lago, em sua casa, em São Paulo
O historiador e colecionador de manuscritos Pedro Corrêa do Lago, em sua casa, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress
Maurício Meireles
São Paulo

O pesadelo de angústia mais comum de Pedro Corrêa do Lago é um incêndio. Pudera. O editor e historiador é um dos maiores colecionadores de manuscritos do mundo e guarda-os em arquivos à prova de fogo em um casarão em São Paulo.

Parte da coleção, que começa com um documento de 1153 e chega até outro de 2006, viajou para os Estados Unidos. Ela será exibida em Nova York, na Morgan Library, na exposição "The Magic of Handwriting" (a magia da caligrafia).

A coleção, tema da mostra que vai de 1º de junho a 16 de setembro, começou a ser reunida por Corrêa do Lago desde seus 11 anos. Pegava o pesado volume do "Who's Who", livro de referência com pequenas biografias e endereços de gente importante em todo o mundo, e escrevia cartas pedindo documentos.

Os primeiros destinatários foram J. R. R. Tolkien e François Truffaut. O escritor, por meio de sua secretária, disse estar atolado de pedidos do mesmo tipo —e que havia decidido não atendê-los mais.

Já o diretor enviou um exemplar com dedicatória do livro "L'Enfant Sauvage", que fez para crianças a partir do filme "O Garoto Selvagem" (1970).

A partir dali, continuou a caça e passou a viver entre manuscritos, forma secular de comunicação com os mortos.

"É um pedaço da história na mão. Como se fossem minutos congelados da vida de uma pessoa. Quando olho o documento dos papas, fico vendo uma mesa medieval há 900 anos, com aqueles senhores de saia", diz Corrêa do Lago.

Ele se refere ao seu documento mais antigo, uma bula assinada pelo papa Anastácio 4º, em 1153, com os cardeais que se tornariam os papas Alexandre 3º, Lúcio 3º e Celestino 3º e por aquele que se tornaria o santo Guarino de Palestrina. A peça ilustra a principal particularidade de sua coleção: a abrangência.

Primeiro porque cobre quase 900 anos de história. O item mais recente, de 2006, é um livro com dedicatória de Stephen Hawking —que foi escrita por sua secretária e assinada por ele com uma digital.

Depois, pela quantidade de temas que abrange —colecionadores costumam ser mais restritivos. A mostra de 142 peças em Nova York está dividida em dez áreas, entre as quais artes plásticas, história, história do século 20, literatura, ciência, entretenimento.

Os visitantes podem ver desde um documento do rei inglês Ricardo 3º até a partitura de "Chega de Saudade" manuscrita por Tom Jobim.

"Resolvi fazer a coleção universal, a torre de Babel. Tentei identificar as 4.000 ou 5.000 pessoas que foram importantes nas áreas que coleciono [e fui atrás]. Gastei nisso em vez de comprar apartamentos."

Esse conceito de uma coleção universal está representado no acervo dele pelo original de um dos textos mais importantes do século 20 sobre o tema: o manuscrito do conto "A Biblioteca de Babel", de Jorge Luis Borges.

Como se sabe, o autor argentino, conhecido por suas grandes abstrações do pensamento, imaginou uma biblioteca que reuniria todas as combinações possíveis de todas as letras e todas as palavras em todas as línguas.

"Pedro reuniu um acervo tão rico e variado que parece infinito, como essa biblioteca. A coleção é um tour de force, há sempre algo a deslumbrar, intrigar, deliciar e provocar os visitantes", diz Christine Nelson, curadora da mostra.

O colecionador não cita cifras —mas diz que o mais barato custou US$ 1 e o mais caro chegou a seis dígitos.

"Uma carta de Abraham Lincoln sempre valeu um carro popular. Já uma do Steve Jobs vale muito mais, porque escrevia pouco", diz Corrêa do Lago.

Embora vá agradar aos eruditos, a seleção tem algo de pop, com histórias e elementos famosos. Em uma carta de pouco antes de se matar, em 1890, Van Gogh descreve o cômodo onde dormia, imortalizado na tela "Quarto em Arles".

A coleção de fotos, por sua vez, reúne desde uma imagem dos Beatles assinada pelos quatro a outras de Marilyn Monroe, Picasso, Audrey Hepburn e Freud, entre outros.

Entre manuscritos brasileiros na mostra há um de Machado de Assis e um desenho de três aviões por Santos Dumont, no qual o pai da aviação escreveu "Minha família".

"[A coleção] orientou minha vida de maneiras que eu não podia ter suspeitado. Sempre tinha o que fazer em qualquer lugar do mundo. Uma loucura que mereceria a camisa de força", ri Corrêa do Lago.

"Todo colecionador é um pouco voyeur, quer entrar na intimidade, mesmo que no passado. Mas o que importa é a conexão direta com a vida dessas pessoas que admiramos, é como se as conhecêssemos fugazmente".

A exposição é uma das raras chances de ver a coleção. Parte havia sido exibida, há 20 anos, no Rio Grande do Sul, e documentos de Toulouse-Lautrec integraram a mostra do pintor no Masp, em 2017.

É a primeira vez que a parte internacional é exposta. Em 2019, a coleção deve ser exibida também no Itaú Cultural.

Atualmente, Corrêa do Lago disputa com o diretor Cacá Diegues a vaga que o cineasta Nelson Pereira dos Santos deixou na Academia Brasileira de Letras, ao morrer, em abril. A eleição será em agosto.

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