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Em retorno a Cannes, Lars von Trier exibe seu filme mais cruel e misógino

'The House That Jack Built' conta a história de um serial killer interpretado por Matt Dillon

Da esquerda para a direita, o ator suíço Bruno Ganz, o diretor dinamarquês Lars Von Trier, e os americanos Matt Dillon e Siobhan Fallon Hogan chegam à exibição de "The House That Jack Built"
Da esquerda para a direita, o ator suíço Bruno Ganz, o diretor dinamarquês Lars Von Trier e os americanos Matt Dillon e Siobhan Fallon Hogan chegam à exibição de "The House That Jack Built" - Anne-Christine Poujoulat/AFP
Guilherme Genestreti
Cannes (França)

Lá pela metade de "The House That Jack Built", filme que marca o retorno de Lars von Trier ao Festival de Cannes, o protagonista está empalhando meticulosamente o cadáver de um menino, rígido e todo coberto de bolhas de sangue, que sorri de forma macabra. 

A essa altura, mais de dez pessoas já haviam deixado a sala de cinema, na manhã desta terça (15). Outras duas dezenas fariam o mesmo até o longa terminar numa projeção marcada por “uuuuus” de agonia vindos da plateia. 

A produção, sobre um serial killer (Matt Dillon) que encara seus crimes como obras de arte, é o filme mais sádico e misógino da carreira de um cineasta que já era conhecido por ostentar esses mesmos adjetivos.

É também uma reposta às críticas que o cercam e aos sete anos em que Von Trier foi banido de Cannes. Em 2011, neste mesmo festival, ele afirmou que podia “compreender” Hitler, o que o levou a ser expulso da mostra de cinema

A obra é construída em torno de uma conversa entre Jack (Dillon) e Verge (Bruno Gänz). Quando o filme começa, com a voz de ambos soando da tela completamente escura, não se sabe onde eles estão nem quem são, exceto que acabaram de se conhecer. 

O primeiro, então, começa a contar seus “incidentes”, que é como chama os assassinatos em série que cometeu. Em comum, o que há entre boa parte deles é que envolvem vítimas mulheres, retratadas como um tanto estúpidas e ingênuas. 

Os relatos das mortes são acompanhados de cenas bastante gráficas de estrangulamentos, alvejadas, seios decepados e golpes com ferramentas na cabeça. Em certo momento, Jack usa um rifle para matar dois meninos e sua mãe em uma cena mostrada sem qualquer cerimônia.  

Apesar do excesso de violência, o espectador nunca consegue ficar anestesiado no filme de Von Trier. A cada um dos incidentes narrados, o cineasta dinamarquês inclui uma cena de horror ainda mais indizível, como se quisesse suplantar os excessos já mostrados em “Ninfomaníaca” ou Anticristo”.  

Não que não haja comédia. O tom do longa, aliás, tende ao cômico, mas a um cômico sórdido.  O diretor também usa o filme como provocação carregada de ironia. Frequentemente acusado de misógino, Von Trier inclui uma frase em que o personagem de Dillon questiona uma mulher se todos os homens são culpados das opressões apenas pelo fato de serem homens. Noutras, por puro fetiche, põe imigrantes entre suas vítimas. Parece querer ganhar no grito o carimbo de maior expressão do anti-humanismo no cinema. 

Mas é na conversa entre Jack e Verge, cheia de menções filosóficas e estéticas, que reside a maior autorreferência. O assassino indaga sobre a ligação entre arte e moral, enquanto pipocam cenas de ditadores como Hitler (sim, de novo), Stálin e Mao. 

“Será que o artista que aborda o horror o faz para não cometê-lo na vida real?”, pergunta-se Jack, o serial killer. Nesse momento, é impossível não se perguntar se o personagem não está ali como um porta-voz do próprio Von Trier. Não à toa, o que se verá a seguir é uma colagem das galerias de maldades escancaradas nos filmes anteriores do diretor dinamarquês. 

A crítica tendeu a torcer o nariz. Peter Bradshaw, do inglês The Guardian, ficou particularmente incomodado com uma cena em que Jack ainda criança decepa o pé de um patinho e o bota de novo no lago (tudo é mostrado em frente às câmeras).

Já Tim Grierson, do Screen Daily, escreve que o filme pode ser “catártico” para Von Trier, mas é “sufocante para o resto de nós”. O Twitter também foi tomado por reações extremadas daqueles que estiveram na sessão. “Foi uma das experiências cinematográficas mais desagradáveis da minha vida”, escreveu um usuário. 

O jornalista se hospeda a convite do Festival de Cannes


mondo cannes

Desculpe o meu francês

Em sua conversa com os jornalistas, o diretor Spike Lee disparou a esmo mais de 13 palavrões, incluindo "son of a bitch" (filho da puta), dirigido ao presidente Donald Trump. "Me desculpem", disse o diretor, "mas me dá vontade só de xingar ao ver acontecer tanta merda."

Isso (não) é a América

Na esteira do videoclipe "This Is America", o ator e músico Donald Glover, o Childish Gambino, desembarcou em Cannes para promover "Han Solo". Nesta semana, deu uma palhinha numa festa particular que teve entre os convidados o ator Vincent Cassel, que faz uma mágico mulherengo em "O Grande Circo Místico", de Cacá Diegues.

Selfie com Chewie

Quem também viajou para promover "Han Solo" foi Chewbacca, o monstro peludo de "Star Wars". Caracterizado como o personagem, o ator finlandês Joonas Suotamo foi agarrado para posar com os que passavam no tapete vermelho --uma brecha, já que é proibido tirar selfie ali.

Era só o que faltava

Depois dos nove minutos de uma cena de estupro em "Irreversível", filme de 2002 com Monica Bellucci, e da ejaculação em três dimensões de "Love", o diretor argentino Gaspar Noé exibe em Cannes mais uma provocação: "Climax". Desta vez, os excessos ficam por conta de uma automutilação e de uma orgia explícita.

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