Descrição de chapéu Cinema

Mostra põe cineastas Jean Rouch e Djibril Diop Mambéty lado a lado

Filmografia dos cineastas é exibida no festival Olhar de Cinema

Cena do filme ‘A Viagem da Hiena’, de Djibril Diop Mambéty
Cena do filme ‘A Viagem da Hiena’, de Djibril Diop Mambéty - Divulgação
Guilherme Genestreti
São Paulo

Em “Os Mestres Loucos” (1953), o francês Jean Rouch, expoente do documentário etnográfico, se infiltra num ritual nos subúrbios da capital de Gana. 

Ali, filma homens e mulheres expurgarem as mazelas do colonialismo por meio do transe. Eles imitam tipos da dominação britânica —o capataz, a madame, o condutor de locomotiva—, depois devoram e sorvem o sangue de um cachorrinho, a grande interdição culinária do Ocidente.

Distante quatro décadas, mas na mesma região africana, “A Pequena Vendedora de Sol” (1999) mostra os percalços de uma garota aleijada nas ruas de Dacar. O olhar ali não tem espanto ou condescendência de estrangeiro; vem de um conterrâneo, o senegalês Djibril Diop Mambéty.

As filmografias deles serão postas lado a lado em retrospectiva no Olhar de Cinema, festival que acontece de 6 a 14 de junho em Curitiba. 

A mostra ocorre no momento em que a indústria deglute a seu modo a cultura africana e cineastas brasileiros debatem representatividade racial.

De Rouch (1917-2004) virão nove títulos. Entre eles, “Os Mestres Loucos” e o seminal “Crônica de um Verão” (1961), codirigido com Edgar Morin.

Já Mambéty (1945-1998) foi menos prolífico. Dele, o Olhar de Cinema programou seis filmes, quase todos os que poderiam ser exibidos, segundo Carla Italiano, curadora da retrospectiva junto de Aaron Cutler, o idealizador. 

Entre as produções dele estão “A Viagem da Hiena” (1973), sobre um sujeito que roda em sua motocicleta com chifres de búfalo, e “Hienas” (1992), ambientado numa vila empobrecida do Senegal. 

“A proposta da mostra foi criar um diálogo, não necessariamente de aproximação, entre os dois diretores”, afirma a curadora.

Mas ela arrisca alguns pontos de contato: o trabalho com pessoas locais e o relevo que ambos dão à fabulação. Mas as retrospectivas devem salientar sobretudo as diferenças.

Rouch e seu olhar antropológico foram janelas fundamentais para documentar as relações de africanos e europeus na segunda metade do século 20 e os costumes no continente negro. O diretor nunca pôde afastar sua condição de estrangeiro, natural de um país colonialista. 

Mambéty rompeu uma barreira e tornou-se um dos mais vistosos nomes da produção africana, com críticas ao colonialismo, mas que não se prendiam ao realismo social.

A abertura do Olhar de Cinema também resvala em questões de identidade daquele continente. 

O filme escolhido para dar início ao festival é “Djon Africa”, documentário de João Miller Guerra e Filipa Reis que acompanha o retorno de um sujeito a Cabo Verde, em busca do paradeiro do pai.

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