Mãe e filha lembram vida com Osho, guru que é tema de 'Wild Wild Country'

'Tudo girava em torno do dinheiro', diz mulher que chegou a fundar comunidade em São Paulo

Anna Virginia Balloussier
São Paulo

Tem o Osho da Netflix. Esse aí, se você observar a versão do documentário “Wild Wild Country”, é um guru indiano internacionalmente famoso por seu gosto por Rolls-Royces, relógios caros e meditação extática, que mentes mais caretas definiriam simplesmente como suruba.

O Osho de Elza Carolina Piacentini e sua filha Kenia Piacentini não tem nada a ver com esse cara aí. “Na série parece tudo bagunça”, reclama Kenia.

Elza Carolina Piacentini (à esq.) e Kenia Piacentini, que viveram em comunidade de Osho  - Gabriel Cabral/Folhapres

Elas conheceram o mestre nos anos 1970, quando ele atendia por Bhagwan Shree Rajneesh e liderava uma comunidade religiosa na Índia —período abordado no primeiro capítulo da série.

A família toda, casal mais quatro filhos, passou um semestre lá. Elza chegou a ir para os EUA, onde o líder espiritual vivia em Rajneeshpuram —cidade de vida breve fundada por seus seguidores no estado do Oregon, para horror dos moradores locais (retratados como os típicos caipiras conservadores do país).

Ela viajou para participar de um festival também mostrado em “Wild Wild Country”, uma espécie de Woodstock dos sannyasins (como são chamados os que abandonam a vida considerada mundana para seguir os ensinamentos do Osho).

Confessa que, ao menos em seu coração, a comunidade já não era a mesma coisa.

“Tive uma sensação bem ruim”, conta. Primeiro porque, se na Índia os rajneeshes transpiravam generosidade, em solo americano muitos deles “pareciam bem arrogantes”.

Também achou “esquisito” o mutismo voluntário que Bhagwan adotou na época.

Pior: tudo girava “o tempo todo em torno de dinheiro”, afirma.

Nas butiques de Rajneeshpuram, por exemplo, relata que “havia canequinha do Osho, baralho do Osho...”, fora toda uma Fashion Week de vestes monocromáticas —os adeptos do movimento só se vestiam com tons de vermelho e laranja.

A monetização da fé chegou a tal ponto que “queriam que hipotecássemos nosso sítio” para doar o valor para a causa. Fala da comunidade rajneesh que ajudou a montar em em Aracariguama (SP) assim que retornou do período que passou na Índia. Um sítio bicho-grilo com cerca de 110 pessoas, mais as crianças.

A comunidade com casas coletivas e alimentação lactovegetariana não durou muito. “A gente só dava fora”, conta aos risos.

 

“Plantamos um monte de alface e não tínhamos pra quem vender. Estragaram. Aí compramos um cavalo puro-sangue para ser um reprodutor e ninguém sabia como cuidar, ele morreu.”

Antes de se espiritualizar, Elza “era de esquerda”, daquelas que achavam que religião era o ópio do povo, à moda Karl Marx. Conta que fez parte da Ação Popular, grupo que atuou contra a ditadura militar (1964-85).
Em 1976, um amigo retornou da Índia com palestras do guru da barba branca em videocassete. “Isso me interessa”, Elza diz que pensou à época.

Já não era uma estranha à religiosidade: tinha se iniciado na União do Vegetal, grupo primo do Santo Daime, que mistura o chá de ayahuasca e elementos do cristianismo.

Quando enfiou na cabeça que precisava conhecer Bhagwan em pessoa, jamais imaginou que seria daquele jeito. “Foi muito diferente do que imaginei. Achei que veria um mosteiro, uma coisa austera.”

Chegada sua vez de falar com o mestre, dele ganhou um colar e um novo nome: Ma Prem Arsha. “Amor Mistério” em sânscrito, explica.

“O seu caminho é o caminho do amor”, lhe disse Bhagwan na ocasião. E o amor vinha em três níveis: sexual, do coração e o mais alto deles, o universal, “por tudo e todos que existem”.

Elza mal sabia falar inglês, que dizer de hindi, mas e daí? “Não tinha tanta importância o que ele falava. Passava a sensação de que você tinha toda a importância do mundo. Não à toa milhares de pessoas se apaixonaram por ele.”

Os filhos iam a uma escolinha rajneesh naqueles meses, próxima do que hoje se define como pedagogia Waldorf, que valoriza trabalhos manuais e o contato dos alunos com a natureza —Kenia lembra de fazer cinzeiros com argila. 

Criança, ficou maravilhada com aquele país em que “as pessoas tocavam flauta para a cobrinha subir, ruas sem farol, pessoas andando em elefante”.

O mestre, que anos mais tarde pediria para ser chamado de Osho, gostava de criar situações de pressão, afirma Elza. Desde espalhar que o fim do mundo se avizinhava até rebaixar um líder de grupo a lavador de banheiro, só pra ver como os discípulos reagiriam à medida.

Osho morreu aos 58 anos, em 1990. “Ele sempre disse que não queria morrer de velho. Achou maravilhoso que a morte de Jesus até hoje impacte as pessoas”, relata Elza.

Morreu em carne e osso, mas sua marca tem vida longa. No site oficial do movimento que carrega seu nome, há produtos à venda que vão do iOsho, aplicativo com “zen tarô” online, ao livro para colorir “The Colors of Your Life: A Meditative and Transformative Coloring Book”.

Já Elza e Kenia comandam o Spaço Sollua, casa na Pompeia (zona oeste paulistana) com workshops impregnados com os ensinamentos do guru, como renascimento (“pela hiperventilação, abrimos canais de percepções jamais alcançadas, despertando as emoções mais profundas”) e tantra (“faz você voltar aos velhos tempos de namoro”).

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